Revista eletrônica de musicologia

Volume XIII - Janeiro de 2010

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O piano brasileiro visto de Paris: situação e perspectivas [1]

 

Danièle Pistone(Paris IV/OMF)

 

Em homenagem às organizadoras do presente colóquio – as senhoras Chueke, Elias e da Matta, três pianistas brasileiras com relações em nosso país, [2] – permito-me prolongar o estudo desenvolvido em 2005 sobre o imaginário brasileiro na França contemporânea [3] colocando em evidência o que Paris percebe atualmente em relação ao piano. Este tipo de iniciativa aparentemente vem aumentar o desafio, pois o Brasil, dezessete vezes maior que a França, é atualmente o quinto pais mais populoso do mundo (depois da China, Índia, EUA e Indonésia), o que torna naturalmente difícil uma abordagem da realidade como um todo; esta, conseqüentemente, não pode deixar de ser bastante parcial, embora bastante reveladora, levando-se em conta as escolhas que foram feitas. De fato, tais escolhas se provarão, como veremos a seguir, majoritariamente dependentes das relações entre os dois países, e mais precisamente dos artistas residentes em solo francês.

 

 

Do instrumento à sua música

Se as questões de construção de instrumentos são muito raramente levantadas na França (o hexágono), a propósito do piano brasileiro, as fábricas Essenfelder e Dietrich são citadas pela revista Piano num artigo consagrado à este país [4]. Mas deve-se dizer que o instrumento do século XX desenvolveu-se pouco, tanto em sua aparência quanto em seu mecanismo, e que os raros aperfeiçoamentos registrados estão longe de suscitar debates que remontem à época romântica. A presença do piano nos trópicos interpela por vezes alguns escritores franceses, quanto à natureza destes instrumentos “tropicalisados” dos quais nos interrogamos sobre a especificidade e funcionamento. Mas como o piano é ainda na França o instrumento-rei no campo da m ú sica erudita, não é difícil para os franceses compreenderem que o mesmo pode se passar na América Latina e que, como entre eles, este instrumento completo que possui um repertório de peso, favorecendo o individualismo musical, atinge em todos os lugares o mesmo sucesso. O concertista e pedagogo Edson Elias [5] insiste, neste mesmo periódico, Pianoci, sobre a destreza e intuição dos pianistas de seu país [6] .

Entre os compositores brasileiros executados na França, Villa-Lobos permanece em primeiro plano: podemos verificar no anexo n° 2 qual é sua importância, mas também perceber, no anexo n° 3 que esta importância diminui atualmente enquanto aumenta a cada dia o numero de referências à MPB. No entanto, Guarnieri, Krieger e Nazareth não são ignorados pelos franceses. Entre os musicistas, o ritmo parece sempre apelar aos críticos franceses (como Milhaud já havia afirmado nos anos vinte), e o samba parece ainda se impor deste ponto de vista, como o modelo brasileiro mais poderoso. Reconhecemos igualmente, sinais nas obras musicais do país mais católico do mundo (155 milhões de católicos sobre 187 milhões de habitantes), da união da cor modal próxima do folclore, mas também, freqüentemente, da música antiga [7].

Os pianistas citados mais seguidamente no que diz respeito às relações com a França, são Guiomar Novaes, Magda Tagliaferro, Nelson Freire, [8] Arnaldo Estrella, Arthur Moreira Lima e Cristina Ortiz (ver Anexo n° 1) ; esta última, apesar de ter se estabelecido na Inglaterra, gravou em 2005 no IRCAM um disco de música brasileira que causou forte impressão nos jornais franceses (Anexo n° 5).

Na Maison du Brésil (7, boulevard Jourdan – Paris 14 e ), os concertos de piano permanecem numerosos. Os programas dominantes incluem Villa-Lobos, Guarnieri, Nazareth, Gnattali e Krieger. Ivan Pires e Luis Simon são os que mais se apresentaram com este tipo de repertório nas duas últimas temporadas (ver Anexo n° 4).

Nota-se, como era de ser esperar, que – a julgar por este repertório reduzido – temos muito a aprender a partir da comunicação do professor Luiz Paulo Sampaio a respeito do piano brasileiro no dois últimos séculos, e das outras exposições que concernem o piano contemporâneo. Ressaltamos que José Francisco Bannwart prepara no Observatoire Musical Français (Paris 4), uma tese sobre a inspiração religiosa na música para piano de Almeida Prado.

 

 

Limites e perspectivas

Fica evidente que o piano brasileiro precisa ainda se fazer mais conhecido na França [9], a julgar pelos índices que se seguem. Por exemplo, constatando-se sua ausência nos dicionários (como o célebre Petit Larousse [10]) ou através da web , onde apenas Magda Tagliaferro e Nelson Freire figuram em janeiro de 2007 na Wikipédia francesa. No Infos Brésil 2006 (trimestral), no campo da música erudita especificamente para piano, menciona-se unicamente um CD de Ernesto Nazareth por Maria José Carrasqueira (Solstice) e partituras contemporâneas (Krieger, Guerra Peixe, Mignone) são ainda classificadas simplesmente como "obras eruditas" [12].

De fato, o piano jazz e a improvisação encontram mais facilmente seu lugar. Igualmente, desde 2005 estabeleceu-se em Paris um Festival de Chôro; são numerosas as obras relativas ao samba ou à capoeira. Entre os eventos recentes, os mais marcantes foram sem dúvida o retorno ao Brasil de Henri Salvador que gravou seis canções em pareceria com Caetano Veloso e foi encenado por Gilberto Gil. Dois romances franceses recentes lhe prestam homenagem, celebrando através de sua pessoa, o Brasil que ele próprio considera seu segundo país [13].

Entre as publicações musicológicas, nota-se que a historiadora Anaïs Fléchet – que publicou pela L'Harmattan uma pesquisa universitária consagrada à Villa-Lobos em Paris – publicou igualmente em abril de 2006 no Cahiers des Amériques latines (Paris, Ed. de l'IHEAL, n° 48-49) um artigo intitulado "La bossa nova en France. Un modèle musical" e defendeu no ano seguinte na Université de Paris 1 uma tese consagrada à La musique populaire brésilienne en France au XX e siècle . O jornal Le Monde de 10 de julho de 2005 publicou um titulo semelhante: "La bossa nova une passion française"[14]. O piano sofre a concorrência da MPB? Será que este deveria se aliar à ela? O Anexo n° 3 demonstra a importância desta presença na web .

No momento em que aparentemente Paris recebe um número cada vez maior de jovens pianistas brasileiros (a julgar pelos estudantes efetivos na Ecole Normale de Musique , fundada ha quase um século em Paris por Alfred Cortot), seria interessante de se verificar de que forma as particularidades da tradição francesa (sobriedade, clareza, refinamento, cor…) poderão aliar-se ao poder do ritmo e a força de expressão brasileira, sendo igualmente vantajoso de se averiguar como o Ano da França no Brasil nos trará lembranças e descobertas a serem julgadas - por ocasião de outros encontros científicos deste tipo que esperamos que se tornem numerosos e fecundos - pelos progressos atingidos pelos franceses na abordagem do mundo artístico brasileiro.

 

Notas:

 

[1] Tradução de Zélia Chueke, do texto da comunicação de Danièle Pistone no Colloque Le Piano Brésilien em 31 de janeiro de 2008, Salle des Actes, Université de Paris-Sorbonne, Paris 4.

[2] Com efeito, Zélia Chueke publicou pelo OMF «  Etapes d'écoute pendant la préparation et l'exécution pianistique , 2004 » , Maria Helena Elias escreveu sua tese (dedicada à obra para piano de Villa-Lobos) e Paula da Matta esteve recentemente realizando estudos em Paris e apresentando-se na Maison du Brésil .

[3] Publicado em Brasil Musical (Curitiba, Editora DeArtes,UFPR, 2005, p. 127-146), anais do colóquio precedente organizado entre a Paris 4 e a UFPR, onde dois artigos já diziam respeito ao piano brasileiro: Zélia CHUEKE, « O Piano Brasileiro: de 1950 aos nossos dias » (p. 19-41, particularmente Gnatalli, Guarnieri, Guerra Peixe, Krieger, Lacerda, Lima, Mendes, Mignone, Santoro, Tacuchian e Widmer) e Cristina GERLING, « Ecos da Sonatina de Ravel nas sonatinas para piano de compositores brasileiros » (p. 43-66, notadamente Fernandez, Guarnieri, Guerra Peixe, Krieger, Mignone, Nobre e Prado). Estes textos foram igualmente publicados em francês no Brésil musical (Paris, Université de Paris-Sorbonne, Observatoire Musical Français, 2007).

[4] Piano (Paris), n° 6, p. 34.

[5] Lembremos que este artista brasileiro, professor do Conservatoire Supérieur de Musique de Lyon et à l'Ecole Normale de Musique de Paris , nos fez a honra de participar deste colóquio, numa interessante mesa redonda dobre a pedagogia pianística, onde pudemos comparar os métodos brasileiros e franceses, pouco antes de falecer, algumas semanas mais tarde, por ocasião de uma operação benigna na clínica Saint-Joseph de Paris.

[6] Piano (Paris), n° 6, p. 32.

[7] Este fato foi demonstrado recentemente numa tese sobre um outro tipo de repertório brasileiro contemporâneo; ver : Daniele Cruz Barros , La flûte à bec au XX e siècle. L'exemple du Brésil , Thèse, Université de Paris-Sorbonne, 2007.

[8] Cf . nos três artigos da revista Piano : Yves RIESEL, « Magda Tagliaferro, la femme de demain », n° 2, 1988-1989, p. 41-43 ; Frédérick REITZ, « L'école brésilienne de piano », n° 6, 1992-1993, p. 31-36 [Neukomm, Chopin, Liszt, William Kappell, Jacques Klein, Nelson Freire, Edson Elias] ; Stéphane FRIÉDÉRICH, « Nelson Freire : le son et la couleur », n° 17, 2003-2004, p. 8-13.

[9] Não se encontra nada atualmente sobre o piano brasileiro, por exemplo, nos arquivos Malraux do ministério da Cultura e quase nada na Inathèque .

[10] Onde, deve-se levar em conta, mesmo os pianistas mais célebres foram registrados apenas recentemente: Arthur Rubinstein em 1980 ; Walter Gieseking em 1981 ; Alexandre Braïlowski, Robert Casadesus e Clara Haskil em 1982 ; Daniel Barenboïm, Arturo Benedetti Michelangeli e Alfred Brendel em 1984 ; Sviatoslav Richter em 1985 ; Glenn Gould em 1994.

[12] I nfos Brésil (Paris), n° 216, janeiro-março 2006, p. 37.

[13] Voir Olivier M iquel (escritor de romances), Henri Salvador. Le rire du destin , Paris, Ed. du Moment, 2007. E Axel GLYDEN (grande repórter do l'Express ), Le roman de Rio , Monaco, Ed. du Rocher, 2007.

[14] Onde não se pode deixar de evocar as manifestações de entusiasmo mais antigas por parte latino-americanos: em 1913, por exemplo, não se apelidou Paris de « Tangoville » ?

 

 

 

ANEXO N° 1 – Os pianistas brasileiros citados mais freqüentemente pelos críticos da atualidade

 

 

Lucia BRANCO (élève d'A. De Greef)

José Carlos COCARELLI (1 er Prix du concours Marguerite Long en 1986)

Edson ELIAS (élève de B. Seidlhofer)

Arnaldo ESTRELLA (élève d'Y. Nat)

*Nelson FREIRE (élève de N. Obino, L. Branco, B. Siedlhofer)

Jacques KLEIN (élève de W. Kapell)

Fernando LOPES (Prix de Genève)

*Arthur MOREIRA LIMA (élève de M. Long et J. Doyen,

2 e Prix du Concours Chopin de Varsovie en 1965)

*Guiomar NOVAES (élève d'I. Philipp, 1 er Prix du Conservatoire de Paris en 1911)

Nise OBINO (élève d'A. De Greef)

*Cristina ORTIZ (élève de M. Tagliaferro)

Eliane RODRIGUES (élève d'A. Estrella)

Jean-Louis STEUERMANN (élève de C. Pagano)

*Magda TAGLIAFERRO (élève de Marmontel et Cortot)

*Anna Stella SCHIC (élève de M. Krause)

Merces de SILVA-TELLES (élève de Cl. Arrau)

 

* Faisaient déjà l'objet d'une entrée dans le Dictionnaire des interprètes et de l'interprétation musicale au XX e siècle d'Alain PARIS (Paris, R. Laffont, 2/1989)

 

 

ANEXO N° 2 - Bibliotheque nationale de France

CATALOGUE BN-OPALE PLUS

 

Nombre de notices au 1 er octobre 2005 et au 28 janvier 2008

[tous supports réunis : livres, disques, cassettes, vidéos…]

 

Musiciens oct. 2005 janv. 2008

 

Heitor VILLA-LOBOS 825 991

Carlos GOMES 39 57

Camargo GUARNIERI 21 27

Francisco MIGNONE 20 24

Cláudio SANTORO 17 24

Marlos NOBRE 10 20

Edino KRIEGER 4 6

Almeida PRADO 1 9

 

Nelson FREIRE 46 50

Guiomar NOVAES 43 43

Magda TAGLIAFERRO 20 23

Anna Stella SCHIC 18 21

Edson ELIAS 7 (CD Mozart)

 

António Carlos JOBIM 459 506

Caetano VELOSO 240 272

Gilberto GIL 233 250

João GILBERTO 229 237

Baden POWELL 192 227

Milton NASCIMENTO 186 187

Maria BETHÂNIA 168 176

Naná VASCONCELOS 154 155

 

 

 

ANEXO N° 3 - Presença de algumas danças latino-americanas na Internet

Resultados obtidos pelo Google, em outubro de 2005 e em janeiro de 2008

 

Total Páginas francófonas WEB WEB

oct. 2005 oct.2005 janv. 2008

SAMBA 1 720 000 16 800 000 49 400 000

(ou seja, cerca de 10 %)

BOSSA NOVA 151 000 2 510 000 7 110 000

(ou seja, cerca de 6 %)

LAMBADA 56 800 1 460 000 2 920 000

(ou seja, cerca de 3 %)

CAPOEIRA 390 000 2 069 000 7 870 000

(ou seja, cerca de 5 %)

TANGO 2 310 000 15 400 000 55 300 000

(ou seja, cerca de 15 %)

SALSA 3 870 000 17 500 000 61 400 000

(ou seja, ce rca de 22 %)

RUMBA 298 000 3 040 000 8 444 000

(ou seja, cerca de 10 %)

A titre de comparaison

VALSE 1 410 000 6 500 000 27 880 000

(avec Walzer et Waltz ) (ou seja, cerca de 21 %)

MAZURKA 77 400 823 000 1 230 000

(ou seja, cerca de 9 %)

VILLA-LOBOS 929 000 2 380 00 1 750 000

(ou seja, cerca de 39 %)

 

 

ANEXO N° 4 - Pianistas que se apresentaram na Maison du Brésil

(7, BD JOURDAN – PARIS 14 E ) ENTRE 2006 E 2007

 

(Nota-se a presença de Villa-Lobos, em mais da metade dos programas)

Ivan Pires, 2 VI 2006 (Nazareth, Villa-Lobos) + cursos gratuitos

Lucia Cervini, 23 VI 2006 (Denise Garcia, Orlando Alvez)

Luis de Simone, 19 X 2006 (Simone)

Luis Fabiano Rabello, 27 X 2006 (Gnatalli, Villa-Lobos)

Paulo Franciso Paes, 27 II 2007 (Nazareth/Paes, Villa-Lobos)

Paula da Matta, 24 IV 2007 (Villa-Lobos)

Ivan Pires, 27 V 2007 (Villa-Lobos)

Alexandre Dietrich, 13 IX 2007 (Guarnieri, Krieger, Mignone, Nazareth)

Eny da Rocha, 21 IX 2007 (Guarnieri, Mignone, Villa-Lobos)

Vanessa Cunha, 9 X 2007 (Guarnieri, Krieger, Santoro)

Sylvia Theresa, 17 X 2007 (Villa-Lobos)

Luis de Simone, 26 X 2007 (Simone)

 

   

 

ANEXO N° 5 - Alma Brasileira por Cristina Ortiz

CD ENTRADA 016, GRAVADO EM ABRIL 2005 NO IRCAM

 

 

Alberto Nepomuceno (1864-1920)
Prece
Galhofeira


Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993)
Dansa Negra
Dansa Brasileira


Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948)
Suites Brasileiras n° 1, n° 2 et n° 3
Três Estudos em Forma de Sonatina


Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
A Lenda do Caboclo
Valsa da Dor


Fructuoso Vianna (1896-1976)
Toada n° 2, Jogos Pueris, Schumanniana
Prelúdios n° 3 et n° 4
Serenata Espanhola
Berceuse do Sabiá
Seresta