Revista eletrônica de musicologia

Volume XII - Março de 2009

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EDUCAÇÃO MUSICAL COMO EDUCAÇÃO ESTÉTICA: diálogos e confrontos

 

 

Joêzer de Souza Mendonça*


Resumo: os professores de música são confrontados com diferentes discursos que fornecem possibilidades musicais e estratégias pedagógicas para o seu trabalho. Dentre as discussões existentes, este artigo relaciona a questão da educação musical desenvolvida como educação estética. À luz de alguns autores, propomos o diálogo entre suas linhas argumentativas a fim de, a partir do seu desdobramento, esboçar suportes filosóficos que orientem o trabalho do educador musical.

INTRODUÇÃO

A trajetória da educação musical no Ocidente é marcada por diferentes visões e compreensões díspares. Os valores filosóficos tiveram seu foco redirecionado, os objetivos da educação musical foram modificados por tantas vezes quanto os paradigmas pedagógicos e sociais foram sugeridos, consolidados, questionados e reconstruídos.
Em uma recapitulação do valor da música ao longo da história, notamos que a música esteve desvinculada da educação durante o período medieval. A infância receberia aceitação social e orientação escolar específica a partir da Renascença e seria objeto de estudos durante o século XVIII, propiciando o surgimento dos métodos ativos em educação musical de Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Froebel (Fonterrada, 2005, p.38-40; 48-53).
A educação musical do século XIX foi marcada pela publicação de tratados de teoria que ‘treinavam’ o domínio técnico, já que o Romantismo caracterizava-se pela figura do virtuose. Os conservatórios particulares, por sua vez, eram os centros onde o ensino orientado para o virtuosismo era fortemente estimulado.
No século XX, os modelos filosóficos surgiam na mesma velocidade em que eram substituídos por outros modelos. O desenvolvimento tecnológico e as efêmeras mudanças de pensamento social e político criaram um ambiente para o aparecimento de métodos pedagógico-musicais que buscavam a sensibilização integral da criança quanto ao fazer e ouvir musicais. Jacques Dalcroze e a educação do corpo na vivência musical; Zoltan Kodaly e a educação musical autóctone; Edgar Willems e a educação auditiva quanto à sensorialidade, afetividade e inteligência; Shinichi Suzuki e a educação para o talento. Da segunda geração de pedagogos musicais (a partir dos anos 1960), Murray Schafer, Keith Swanwick e John Paynter também contribuíram com novas estratégias em relação ao desenvolvimento cognitivo-musical da criança, à educação sonora e aos aspectos psicológicos observados nas diversas fases da infância e da adolescência.
Neste ponto podemos perguntar: se há tantos métodos e sistemas de pedagogia musical que valorizam o aluno e orientam o professor, qual a necessidade de uma filosofia para a educação musical? A resposta pode começar com a noção de que uma filosofia da música sempre permeou a educação musical em seus diferentes períodos na história, e com a concordância de que um posicionamento filosófico que incida diretamente sobre a prática da educação musical contribui para a reflexão na ação pedagógica. Esta reflexão pode determinar a natureza e o valor da educação musical, e é desse tema que tratamos mais especificadamente a seguir.
Nas linhas abaixo, propomos o diálogo e evidenciamos o confronto entre os estudos de Bennett Reimer (1970) e David Elliott (1995) a fim de esboçar suportes filosóficos que orientem o trabalho do educador musical em sala de aula.

1. QUEM PRECISA DE UMA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MUSICAL?
De acordo com Bennett Reimer (1970), a natureza e o valor da educação musical são determinados pela natureza e valor da música. Com base nesta premissa inicial, Reimer estabelece argumentos para afirmar a necessidade de uma filosofia para educação musical:
• A qualidade da compreensão sobre uma atividade profissional está relacionada ao impacto na sociedade que esta profissão pode obter. Assim, a educação musical só deixaria a “periferia da cultura humana” quando houvesse maior entendimento profissional do valor da educação musical. Para Liane Hentschke, a música não está no rol das “disciplinas sérias” por causa “uso que se tem feito dessa área de conhecimento e da atividade profissional decorrente dela” (Hentschke, Del Ben, 2003, p. 117). Para modificar este panorama, é preciso uma tomada de consciência dos profissionais que estão atuando no campo da pedagogia musical. Reimer entende que o profissional consciente do valor de sua profissão, mais que um elo na comunidade pedagógica, é alguém que tem a visão modificada a respeito da natureza e do valor de sua vida pessoal (1970, p. 4);
• As bases para a valorização da educação musical exigem a configuração de uma filosofia. No entanto, seus efeitos serão mais produtivos se essa filosofia estiver em desenvolvimento durante a formação do educador musical. Segundo Claúdia Bellochio, as pesquisas sobre educação musical no Brasil poucas vezes são referência para o ensino de música nas escolas, o que constituiria “um hiato entre a produção de pesquisas e a apropriação de seus resultados no contexto da escolarização” (2003, p. 129). Assim, a ausência de uma articulação entre ensino e pesquisa em nossas universidades reforça a necessidade de uma filosofia de educação musical, que seria capaz de conciliar os diversos saberes mobilizados e que estariam conjugados nas ações e reflexões da prática docente;
• A música é uma disciplina do conhecimento que também constitui caminho para se entender a realidade. Reimer (1970, p. 9) afirma que o aluno que entende a natureza real da música pode partilhar as visões da realidade que a música oferece. O problema nessa questão é o contraste entre o ensino da disciplina e a prática da mesma fora da escola. Enquanto em suas atividades extra-escolares o aluno se conecta com uma vasta gama de opções musicais e trafega por diversos contextos culturais (internet, TV, espaços públicos), na escola ele costuma ter contato com expressões musicais que pouco ou nada tem a ver com sua realidade sonora.
Sobre o último ponto, vale esclarecer que não se trata de celebrar acriticamente o conhecimento musical que o estudante traz consigo, prática esta que, em geral, redunda em uma reprodução destituída de aprofundamento contextual e analítico em relação às canções ou hits da mídia de massa. Por outro lado, a introdução da gramática da música (a teoria) desvinculada do fazer musical espontâneo resulta em uma prática inócua e sem sentido para o aluno.
Se as visões concernentes a uma educação musical na contemporaneidade observam os novos contextos estabelecidos na sociedade, concebendo estruturas que constroem uma rede de relações a partir do conhecimento e da experiência do sujeito (Fonterrada, p. 175-6), ainda há nas escolas um vazio entre o que é ensinado e o que é compreendido e praticado pelo aluno.
Em relação a esse tópico, Bennett Reimer argumenta que uma alternativa para a fundamentação filosófica da educação musical é a abordagem estética da música. O autor assinala que a educação musical deve ter entendimento da natureza e do valor estéticos da música, a fim de realmente tornar-se educação musical. Porém, como veremos a seguir, essa opção por uma educação estética encontra oposição e contra-argumentação nos estudos de outros pesquisadores da educação musical.

2. REFERENCIALISMO, FORMALISMO E EXPRESSIONISMO
Ao sugerir uma alternativa para uma filosofia da educação musical, Bennett Reimer sugere que determinar qual o melhor ponto de vista sempre será um problema. Por isso, ele aponta alguns princípios norteadores para uma escolha ideal: abordagem seletiva do campo da estética; articulação entre as naturezas e os valores da música e da educação musical; capacidade de relacionar-se com outros campos artísticos; e, posição estético-filosófica relevante para a sociedade (Reimer, p. 13-4).
Reimer concorda com Leonard B. Meyer quanto à visão expressionista da música [1]. Para fazer valer sua argumentação, Reimer indica que os parâmetros estéticos conhecidos como Referencialismo e Formalismo não preencheriam os requisitos traçados para uma filosofia de educação estética moderna.
A estética referencialista está ligada à idéia de externalidade de uma obra musical, em que os aspectos mais relevantes seriam as emoções e idéias que uma música é capaz de revelar. Dessa forma, os aspectos não-artísticos seriam favorecidos no julgamento e na apreciação de uma obra. Na busca de assegurar sua linha argumentativa, Reimer lança mão dos seguintes exemplos: o uso da arte como serva da necessidade social e política no comunismo soviético, denominado Realismo Socialista; a colocação da música em um púlpito, segundo as idéias do escritor Leon Tolstoi, o qual relaciona a qualidade de uma música a sua capacidade de transmitir uma “boa mensagem”; e, por fim, os estudos de Deryck Cooke, que procurava atribuir padrões de sentimentos e emoções humanas aos intervalos e seqüências de notas musicais (1970, p. 15-19).
O Referencialismo certamente se faz presente nas escolas pelas mãos de professores que procuram “mensagens” na obra musical, estabelecem comparações entre músicas e outras formas de arte ou adicionam histórias à obra musical. De acordo com Reimer (idem, p. 20), professores referencialistas decidem o que é próprio para a escuta dos alunos baseados nos efeitos não-artísticos da música. As contribuições desta abordagem não-estética poderiam ser observadas tanto na melhora do aprendizado e no bom desenvolvimento da auto-estima e da auto-disciplina como também na saúde.
Entretanto, a princípio, a noção referencialista parece margear as justificativas de Liane Henschke para a inclusão da educação musical no currículo escolar, a saber: proporcionar à criança o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor e também um sentido histórico da nossa herança cultural, tal como citadas por Ilka Joly (2003) [2].
Reimer também julga que a estética formalista não é adequada para uma filosofia da educação musical. O formalismo, que se posiciona contrariamente a uma estética das emoções, trata a arte como uma experiência intelectual de reconhecimento e apreciação da forma. Nessa visão, as emoções e sentimentos não podem ser incorporados à música, mesmo porque não haveria correspondência entre a beleza não-artística do mundo e a beleza encontrada na arte. Segundo Reimer, a principal aplicação do formalismo na música pode ser observada na política de ensinar o talentoso ao mesmo tempo em que se fornece entretenimento musical para a massa popular restante (1970, p. 23).
Contudo, a prática de isolar elementos formais equivale à prática de separar elementos referenciais. Desse modo, a função da música como provedora de bons cidadãos para a sociedade ou como mero exercício intelectual oferece bases pouco convincentes para uma filosofia da educação musical que objetiva a compreensão integral da natureza e do valor da música.
O cenário está preparado, então, para o surgimento de uma ‘terceira via’ estética: o Expressionismo absoluto. A reunião do melhor do referencialismo e do formalismo, isto é, a valorização da externalidade de uma obra musical simultânea à apreciação dos aspectos internos desta obra, seria a premissa desta terceira teoria estética.
O Expressionismo seria superior às duas primeiras teorias já relacionadas porque ao mesmo tempo em que reconhece que a natureza da arte enquanto arte deve ser afirmada, também assume a relação da arte com a vida. Assim, o Expressionismo norteia a educação estética sugerida por Bennett Reimer e Leonard B. Meyer, posto que as revelações e insights de uma epifania da arte não surgiriam da externalidade da obra musical nem de suas referências não-artísticas, mas sim de um aprofundamento nas qualidades estéticas que a obra de arte contém (idem, p. 24-5).

 

3. QUEM PRECISA DE UMA EDUCAÇÃO ESTÉTICA?
Considerando a educação estética também uma “educação do sentimento”, Bennett Reimer (idem, p. 40) aponta alguns princípios para que a educação musical se torne educação estética:
• pluralidade seletiva: uso de material musical variado;
• expressividade orientada: oferecer condições para o sentir do poder expressivo da música;
• formalismo sensível: sensibilização para elementos da música que propiciam insights do sentimento humano;
• linguagem apropriada: linguagem descritiva, nunca interpretativa. A linguagem não deve estipular que emoções sentir.
No livro Music Matters (1995), David Elliott escreve que, assim como a experiência musical é geradora de integração e auto-estima, a educação musical é proporcionadora de valores como crescimento individual e auto-conhecimento. Na sua visão, o desenvolvimento da musicalidade permite a participação construtiva no complexo de expressões/impressões do próprio aluno e dos outros. Elliott diz também que a escola que nega a educação musical sistemática, está negando ao aluno as chaves cognitivas para uma fonte maior de valores fundamentais da vida (1995, p.129-130).
Mais interessado na educação musical integradora do fazer/ouvir música criativamente, Elliott (idem, p. 30-7) confronta o conceito de educação estética proposto por Reimer:
1) Música como objeto: para Elliott, o conceito de educação estética transforma a música em mero objeto de apreciação. As conseqüências seriam a desvalorização da performance e da criação do aluno, ênfase no consumo musical e não no fazer musical ativo e artístico e, ainda, separação entre apreciação e produção de música. Segundo Elliott, a música não deve ser uma coleção de objetos estéticos autônomos e a performance deve estar no centro da educação musical envolvendo um tipo especial de aprendizagem (idem, p. 33).
Este ponto já nos revela um problema que atinge diretamente as escolas brasileiras, no caso, “as que não são de música”, visto que também são orientadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a dar ênfase à apreciação musical e à escuta “em detrimento da prática artística” (Fonterrada, 2004, p. 38).
2) Experiência estética: a educação musical como educação estética identificaria as qualidades estéticas da música como fonte única em si do valor e do foco da educação. As conseqüências, de acordo com David Elliott, seriam a passividade do receptor e, sobretudo, a diminuição da possibilidade da atividade artística enquanto força vital e correlata às experiências de vida (1995, p. 36-7).
Quando Reimer (1970, p. 38-9) descreve a experiência da educação estética como educação do sentimento, ele está sugerindo que a educação musical é educação do sentimento humano e que seu maior valor está no enriquecimento da qualidade de vida das pessoas através do enriquecimento das visões da natureza do sentimento humano.
Contudo, podemos perguntar que tipo de música seria mais apropriada para um suposto “enriquecimento da qualidade de vida”. Para Reimer, a boa obra de arte seria aquela cujas qualidades estéticas são bem sucedidas em capturar o senso de humanidade.
Não por acaso, muitos professores entendem que essa “boa obra de arte” seja uma referência a um tipo de música que transmita boas emoções. O próprio Reimer (idem, p. 29), porém, identifica falhas em tal processo, pois este geralmente está submetido a seleção pessoal do professor que, além de escolher unilateralmente o repertório musical, decide quais emoções serão assimiladas e estabelece o seu significado e valor na vida.
Nota-se também que o foco na experiência estética de Reimer está mais ligado à escuta musical que à prática, ou fazer musical; está, ainda, mais relacionada à qualidade de vida proveniente de uma compreensão estética do que ao desenvolvimento humano advindo do fazer musical intuitivo e criativo. Segundo Moema Campos,
num contexto em que a criatividade é particularidade de grande importância, o professor deverá encorajar os alunos a serem artistas, verdadeiros criadores, aproveitando o seu interesse natural pela música e introduzir a informação apenas quando se fizer necessária. Num clima de liberdade, os alunos podem expor para o grupo seus sentimentos, dúvidas e idéias, tendo espaço para perceber, refletir e pensar. E conseqüentemente, capacidade de criar (2000, 46-7).
Murray Schafer assinala que os alunos não são estimulados pela escola a criar e nem a ouvir criticamente. Para Schafer (1991, p. 277), uma sala de aula deve ser um espaço para uma comunidade de aprendizes, o que certamente envolve muito mais que a escuta de obras musicais, pois inclui uma produção individual menos interessada em compreensão estética do que em fazer música.
Embora a preocupação com o desenvolvimento afetivo-cognitivo do aluno esteja presente em muitas estratégias de ensino musical, se faz necessário que o fazer musical esteja no centro da metodologia empregada em sala de aula ou, de outra forma, o risco de passividade e monotonia pode tomar conta do espaço escolar. Assim, vale perguntar como as escolas brasileiras podem ensinar as alegrias da música, sobretudo ao considerarmos a regulamentação oficial que recupera a educação musical como componente curricular.
3) Percepção estética: segundo Elliott, na educação estética os ouvintes percebem e respondem somente às qualidades estéticas. As conseqüências se dariam na não-conexão dos sons musicais a outras áreas humanas, além de uma homogeneidade da diversidade musical. Para Elliott, a percepção de uma coleção de obras musicais não serve como padrão de escuta. Ao contrário, deve-se buscar uma diversidade musical que envolva diferentes tipos e combinações de expressão, sentido e informação musicais (idem, p. 35).
Música é uma prática humana diversificada. Embora a pluralidade musical seja incentivada por Bennett Reimer e o entendimento das circunstâncias artístico-histórico-culturais seja importante para a compreensão de uma obra musical, Elliott vai mais além ao propor uma visão multidimensional das obras musicais (idem, p. 199-200). Esse ponto de vista sustenta-se nos seguintes níveis: interpretação, design musical, tradições e padrões, expressões musicais de emoção, representações musicais e informação cultural-ideológica. Destes, destacamos de forma bastante resumida:
1) Interpretação: as obras devem ser entendidas enquanto performances; são músicos e ouvintes em ação.
2) Expressões musicais de emoção: nem todas as obras musicais sugerem emoção específica, pois dependeriam da prática.
3) Representações musicais: nem todas as obras incluem representações musicais do mundo concreto.
É possível notar que o conceito de educação estética, apesar de afirmar que a apreensão das qualidades estéticas de uma obra de arte oferece uma “experiência de” sentimento mais que uma “informação sobre” (Reimer, p. 38), por outro lado expressa sua busca por uma compreensão estética significativa que escamoteia as conformações ideológico-culturais presentes em uma obra musical. Portanto, o aluno é apresentado à diversidade musical (se tanto), mas não é introduzido na vida de uma cultura musical, nos saberes, crenças e valores de uma prática musical.
Também se pode verificar que as representações musicais do mundo e dos sentimentos arriscam-se a uma provável indução por parte do professor e mesmo do aluno, os quais podem partilhar um erro em comum: o de estabelecer ligações duvidosas entre música e cosmovisão pessoal, mais baseada em ilações idiossincráticas que em um aporte objetivo da realidade.
De acordo com David Elliott (1995, p. 206), o meio mais apropriado de desenvolver a compreensão das obras musicais é ensinar os alunos a encontrar desafios musicais significativos em situações de ensino-aprendizagem que sejam aproximações reais de culturas musicais. Desse modo, a escola estaria encorajando uma abordagem multicultural do fenômeno musical, pois os alunos poderiam aprender que musica é uma prática humana diversificada local, regional e nacionalmente.
Assim, uma educação musical preocupada com música enquanto prática multicultural e diversificada está comprometida com os maiores objetivos de uma educação centrada no ser humano. Evidentemente, é preciso levar em conta nesse processo o grau de musicalidade do aluno e a atenção dedicada ao seu universo musical mais próximo. O mundo musical do aluno, ou das cercanias da escola, pode figurar como ponto de partida para a descoberta de distantes realidades culturais (estas realidades nem sempre se encontram a uma distância continental. Às vezes, estão mais conectadas a outros círculos sociais, como a música de concerto contemporânea, a bossa nova e a música caipira).
Podemos também afirmar que um currículo de educação musical que inclui o “reconhecimento” de culturas para a construção da identidade do aluno também é capaz de enriquecer a qualidade de vida de um indivíduo. A diferença está em que uma educação estética parece estruturar-se na sensibilização e no reconhecimento de significados estéticos, enquanto uma educação musical baseada no fazer musical e na inserção multicultural propicia o desenvolvimento da criatividade e a valorização da diversificação cultural e social.
Entendemos também que este “reconhecimento” de culturas não se trata de uma espécie de legitimação elitista que se daria pelo olhar distanciado do turista, mas de uma absoluta valorização do semelhante que só é completa quando há uma imersão na prática musical e na aceitação cultural dos diversos saberes e crenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, identificamos, com o auxílio de Fonterrada (2005), Reimer (1970) e Elliott (1995), as diferentes visões no tocante ao ensino musical. Iniciamos com um breve retrospecto histórico do valor da música em diversas épocas para, em seguida, passarmos a análise de questões referentes às qualidades e problemas de um conceito de educação musical como educação estética.
Bennett Reimer mereceu nossa atenção pela abordagem significativa a respeito do valor de uma filosofia da educação musical. Seus estudos sobre o tema certamente romperam com paradigmas do senso comum quanto ao ensino de música nas escolas e trouxeram uma proposta de reflexividade para o profissional de pedagogia musical.
Ao ter contato com a literatura de David Elliott, percebemos que o autor desenvolveu alguns pontos abordados por Reimer, principalmente no que diz respeito ao conceito de uma educação estética. Concordamos com Elliott, e também com outros autores como Murray Schafer e Keith Swanwick, que apóiam uma educação musical baseada no fazer criativo e na sensibilização multicultural.
Quanto aos trabalhos desenvolvidos no Brasil, a superfície temática somente agora começou a ser ultrapassada. Novos estudos certamente irão desvelar o que hoje se encontra nas profundezas não descobertas da educação musical.

NOTAS
[1] Ver MEYER, Leonard B. Emotion and meaning in music. Chicago: The University of Chicago Press, 1956, p. 1-6.
[2] No contexto do seu artigo, Hentschke defende a inserção da educação musical como uma disciplina pertencente à matriz curricular escolar (cf. Hentschke, 1994, p. 28-35; Henstchke apud Joly, 2003, p. 117-118).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bellochio, Cláudia. Educação musical e professores dos anos iniciais de escolarização: formação inicial e práticas educativas. In: Hentschke, Liane & Del Ben, Luciana (org.). Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003.
Campos, Moema Craveiro. A educação musical e o novo paradigma. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.
Elliott, David J. Music matters. New York: The Oxford University Press, 1995.
Fonterrada, Marisa Trench de Oliveira. Reflexões a respeito do ensino de música em escolas que não são de música. In: Anais do II Encontro de Pesquisa em Música da Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Massoni, 2004.
________. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
HENTSCHKE, Liane. Um tom acima dos preconceitos. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, ano 1, n. 3, p. 28-35, Mai/Jun 1994.
Joly, Ilka Zenker Leme. Educação e educação musical: conhecimentos para compreender a criança e suas relações com a música. In: Hentschke, Liane & Del Ben, Luciana (org.). Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003.
MEYER, Leonard B. Emotion and meaning in music. Chicago: The University of Chicago Press, 1956.
Reimer, Bennett. A philosophy of music education. New Jersey: Prentice Hall, Englewood Cliff, 1970.
Schafer, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
Swanwick, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.

*(UNESP)-Joêzer de Souza Mendonça é graduado em Licenciatura em Educação Artística - Hab. Música pela Universidade Estadual do Pará, editor do site Nota na Pauta e pianista do Curitiba Coral (PR). Está em fase de conclusão de sua dissertação de mestrado em Musicologia no Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNESP (Universidade Estadual Paulista).