Revista eletrônica de musicologia
Volume XII - Março de 2009
home . sobre . editores . números . submissões
O Popular na Música de Alexandre Levy (1864-1892): Um indício de modernidade
Said Tuma*
RESUMO : Este artigo procura refletir sobre o projeto intelectual e artístico do compositor paulistano Alexandre Levy (1864-1892), enfatizando algumas das pretensões modernizadoras nele presente. Para tanto, focaliza a presença da música popular urbana na sua obra e, em particular, no seu Samba . Algumas reflexões empreendidas permitem constatar a proximidade de Levy dos demais intelectuais da belle époque brasileira, sobretudo da “geração de 1870” . Diante desse quadro torna-se possível vislumbrar a modernidade do projeto artístico do compositor. Essa modernidade, não obstante já estar presente na produção cultural do fin-de-siècle , será reivindicada como sua pelos modernistas de 1922.
APRESENTAÇÃO
O presente texto deriva diretamente de nossa investigação sobre o compositor e crítico musical do Correio Paulistano Alexandre Levy [1], trabalho que resultou em nossa dissertação de mestrado, defendida junto à Escola de Comunicações e Artes, que tem por título – O nacional e o popular na música de Alexandre Levy: bases de um projeto de modernidade .
Essa investigação musicológica, que procuramos desenvolver numa perspectiva interdisciplinar, acabou propiciando para Levy uma imagem que diverge significativamente daquela fomentada pelos trabalhos mais tradicionais de historiografia musical [2]. Ao nos aproximarmos de alguns dos temas e reflexões da chamada história da cultura e, considerarmos como fontes primárias, sobretudo, os artigos de crítica musical de Levy, acabamos por vislumbrar um personagem muito diferente daquele idealizado pela historiografia citada.
É desse modo que acabou se esboçando aquele que parece ter sido o traço primordial da “missão” [3] intelectual do compositor paulista – elevar o nível musical e cultural da Paulicéia [4]. Esse dado nos remete imediatamente ao perfil típico dos intelectuais da chamada belle époque brasileira, os quais se engajaram na tarefa de integrar o país na grande unidade internacional. Esse ensejo modernizador se manifesta notadamente na obra crítica e musical de Levy, fato que passa despercebido nas obras tradicionais. Isto porque, assim como detecta Foot Hardman para a produção historiográfica no Brasil pós Modernismo (Hardman 1992: 290), também na música, grande parte das historiografias posteriores a 1922, acabou lendo a obra e a contribuição de intelectuais como Levy com as lentes do próprio Movimento. Atados em demasia à noção de vanguarda, os historiadores da música olharam para os compositores do final do XIX de um modo utópico e visionário. De um lado, partindo de uma postura anti-romântica como pressuposto, desprezavam as obras que apresentassem traços do Romantismo. De outro, ao se proclamarem modernos, acabaram perdendo o foco dos inúmeros matizes de modernidade presentes nas manifestações da “geração de 1870” , da qual Levy parece aproximar-se notavelmente. Intelectuais como Mário de Andrade, a despeito da sua enorme contribuição intelectual para a compreensão do que é o Brasil, preferiram ver na obra dos chamados “precursores do Nacionalismo” apenas os prolegômenos do seu próprio “ programa” para a música brasileira. Com isto, acabaram negando a temporalidade ao adotar, sistematicamente, o Nacionalismo como critério de periodização, e, de modo ainda mais radical, como critério de juízo de valor artístico.
Mais particularmente em relação à questão do popular na obra de Levy, e o quanto essa presença ilustra as preocupações de modernização e atualização do compositor, que abordaremos a seguir, é preciso situar outra ambigüidade presente nos trabalhos da HMB. Retomando a imagem fomentada pela narrativa oficial, presente nos trabalhos citados, vemos um Levy folclorista. Em outras palavras, essas obras tradicionais recusam ou no mínimo ignoram a presença acachapante, para usar uma expressão de José Miguel Wisnik em seu Machado Maxixe [5] (Wisnik 2004: 13-79), do popular urbano na música do compositor paulistano [6]. O fato é que Levy aproximou-se sim do popular urbano, do maxixe, do choro, entre outros [7], não obstante tivesse reconhecido o folclore como “ciência” capaz de empreender uma síntese da música brasileira. Este fato também nos remete aos intelectuais da belle époque , não só pela busca de uma resposta à questão – o que é ser brasileiro – como também por aludir a uma perspectiva naturalista e cientificista ao eleger o folclore como metodologia para construir uma música nacional e, portanto, responder tal indagação. Tentamos a seguir desenvolver um pouco essa questão, esperando que tal matiz de modernidade presente no projeto intelectual de Alexandre Levy se torne mais claramente perceptível.
POPULAR E FOLCLORE NA BELLE ÉPOQUE : TENTATIVA DE INTERPRETAÇÃO
Muito do que conseguimos identificar em Levy através de nossa investigação, como por exemplo, o seu engajamento intelectual como pressuposto no enfrentamento das dificuldades impostas pelo atraso cultural do meio musical paulistano, assim como sua obsessão pelo “ moderno” , por atualizar o gosto do público paulistano com a música européia, tudo isso nos remete ao perfil típico dos intelectuais brasileiros da chamada “geração de 1870” [8]. No entanto, as ressonâncias entre o compositor paulistano e o referido grupo não param por aí. Não obstante ser herdeiro do historicismo romântico, Alexandre Levy não permaneceu atado ao ideário do movimento, que, no Brasil da segunda metade do século XIX, já dava claras demonstrações de esgotamento. Assim, da nova agitação intelectual, fruto do processo modernizador que se observava na sociedade brasileira daquela época, o músico paulistano vai se apropriar de um dos principais conceitos dela, o de “ povo ”. Existem indícios de que, no lugar dos contornos vagos da idéia do “ popular ”, característicos da visão romântica, Levy assumirá uma perspectiva “ naturalista ”, elegendo o folclore, não obstante não ter tido tempo de se aprofundar nos seus estudos, como “ciência” capaz de empreender uma abordagem sistemática do assunto [9].
Parece-nos oportuno, inicialmente, retomar os grandes marcos do processo modernizador do final do XIX: o fim da Guerra do Paraguai (1865-1870), o manifesto republicano de 1870, além, é claro, da Abolição da Escravatura de 1888. É nesse contexto de transformações intensas que terá início a movimentação intelectual da “nova geração”, para usar as palavras de Machado de Assis. E mais, essa agitação teve sua origem na Faculdade de Direito do Recife, sob a liderança de Tobias Barreto (Velloso 2003: 354-5). Um dos grandes desafios do movimento intelectual, que rapidamente tomou projeção nacional, era “buscar a integração do Brasil na cultura ocidental” (Id ibid.: 354-5). Para tanto, tornou-se necessário modernizar as estruturas da nação, além de promover, pela ação direta desses intelectuais, a “elevação do nível cultural e material da população” (Sevcenko 2003: 97).
Este último aspecto das pretensões modernizadoras da “geração de 1870” diz respeito diretamente à figura de Alexandre Levy, que, segundo informa um cronista da época, “era capaz de um sacrifício enorme de tempo, de dinheiro e de desgostos para realizar um concerto que educasse os seus co-estadinos [...]” (Reis. In: Porto Alegre 1892: [s.l.] [p. 20]). Além disso, como crítico do Correio Paulistano , Figarote insistia obsessivamente na solicitação aos professores para realizarem concertos sempre que possível. Com isto, Levy esperava “elevar” o gosto musical do público.
Retomando os intelectuais dos anos 1870, caberia ainda destacar que suas preocupações de integrar o Brasil na grande unidade internacional os levou a uma reflexão profunda sobre a questão da nacionalidade. Nesse sentido, foi muito importante o papel desempenhado pela crítica literária, a qual tomou como ponto de partida indagações de caráter crucial como: “quais os elementos que definem o Brasil? No contexto internacional, o que configurava, enfim, a especificidade de ser brasileiro?” (Velloso 2003: 355)
É preciso ter em mente que na reflexão sobre a originalidade brasileira pesou muito a perspectiva racial e da influência do meio [10]. Predominava uma visão pessimista da nacionalidade. O país era considerado atrasado, sobretudo em função da sua “inferioridade étnica”. Essa perspectiva, resultado da leitura do país pelas lentes do darwinismo social, só começará a se alterar por volta de 1910, quando, paulatinamente, o objeto do pessimismo se converterá em superioridade cultural. Isto porque a mistura das raças passa a ser vista como mistura de culturas. Aliás, é esse fato que assegura ao Brasil uma posição de originalidade e singularidade. Entretanto, este é um outro momento, que viria a constituir o melting pot de Gylberto Freyre.
Não obstante a perspectiva pessimista de nossa diferenciação, no último quartel do XIX, “a idéia subjacente era a de que esse quadro de atraso e inferioridade poderia ser modificado, desde que o país conseguisse acelerar a sua marcha evolutiva, integrando-se ao contexto internacional” (Id ibid.: 355). Arma poderosa nessa luta “ evolutiva” foi o instrumental científico, que invadia todos os campos do saber, fato decorrente da crença de que a ciência podia e devia explicar tudo.
Por isso, segundo Velloso, “para a geração de 1870, ‘ser moderno' significava, sobretudo, buscar uma compreensão do significado de ser brasileiro, compreensão essa que deveria ser mediada pelo instrumental científico” (Id. ibid.: 357). Nesse contexto, a nacionalidade passa a ser compreendida como matéria-prima, como pedra bruta a ser moldada pelo saber científico das elites intelectuais (Id. ibid.: 356).
Inspirados por autores como Hippolyte Taine e Herbert Spencer, Araripe Júnior e Sílvio Romero, para ficar em dois exemplos, partindo de um mesmo modelo naturalista e evolucionista, sempre em perspectiva nacionalista, passam a vislumbrar a “ nação” “como resultado da progressiva transformação das matrizes européias pela ação do meio e da mistura de raças” (Ventura 1991: 37). Em linhas gerais, era Romero quem enfatizava o aspecto “ racial” , enquanto Araripe destacava a influência do “ meio” .
A propósito, intelectuais como Sílvio Romero nos chamam a atenção para a modernidade da “geração de 1870” na medida em que anteciparam várias concepções de brasilidade que, mais tarde, seriam retomadas pelos modernistas paulistas. Entre elas está a importância atribuída ao estudo do folclore como elemento de diferenciação nacional. Segundo Velloso, aprofundando esses estudos, Sílvio Romero fez um “recenseamento da cultura brasileira”, “criando instrumentais de pesquisa para estudá-la” (Velloso 2003: 357).
A autora destaca ainda que é a partir desse viés analítico que Mário de Andrade vai desenvolver a pesquisa etnográfica da música e das diversas tradições culturais do Brasil
(Id. ibid.: 357).A inclusão da questão étnica nas reflexões empreendidas pela crítica literária nos anos 1870 apresenta um matiz de modernidade. Isso porque, na visão romântica, o “ popular” era consubstanciado, grosso modo, na figura de um índio idealizado. Ao tratar das limitações do projeto romântico de construção nacional através do romance, Hélio Guimarães destaca que, no nível da representação, o escravo foi completamente ignorado nas obras literárias do período (Guimarães 2004: 100). Apesar da entrada em cena do negro representar um salto qualitativo no que diz respeito à inclusão social, o lugar ocupado pelas raças não brancas nas reflexões do fim do XIX ainda era bastante precário. Isto se deve ao fato de que as culturas populares eram trazidas à luz através da perspectiva etnográfica, ou seja, ficando à margem da história. Nesse sentido, Roberto Ventura esclarece que o nascimento da etnologia se vincula à perspectiva de estudo das “sociedades tidas como desprovidas de história” (Ventura 1991: 21). Mantém-se subjacente a essa perspectiva a idéia da inferioridade das raças não brancas.
Partindo de uma ótica civilizatória, o Nacionalismo literário do século XIX foi marcado por um componente eurocêntrico, apesar de suas reivindicações de autonomia e originalidade. Isto quer dizer que para proceder à análise da realidade brasileira, a “geração de 1870” partia de matrizes européias. É por essa razão que esses intelectuais nas suas obras e reflexões acabavam por reproduzir a abordagem eurocêntrica em relação ao meio, ao mesmo tempo em que procediam a uma aproximação etnocêntrica das culturas populares
(Id. ibid.: 37) [11].O conceito de folclore não escapa a essa lógica, estando fortemente ligado à perspectiva etnográfica. Além disso, do ponto de vista metodológico, nele está implícita uma mudança em relação à visão romântica de “ povo ”.
Pode-se dizer, grosso modo, que o interesse pelo “ popular” aparece primeiramente como fruto do historicismo romântico. Para Renato Ortiz, o impacto do Romantismo sobre a questão pode ser avaliado “quando transforma a predisposição negativa, que havia anteriormente em relação às manifestações populares, em elemento dinâmico para a sua apreensão” (Ortiz [s.d.]: 18). Característica marcante na ótica romântica é o modo impreciso e vago, marcado por grande subjetividade, com que se concebia a idéia de “ povo ”, assim como se observava e se recolhia as suas tradições. Entretanto, com o rápido desenvolvimento das ciências, na segunda metade do século XIX, e o surgimento da perspectiva positivista, “os escritores românticos, celebrados anteriormente, devido à sua imaginação exacerbada, passam agora a ser criticados como desvirtuadores da essência popular, adulterando-a com seu apetite artístico e egocêntrico” (Id. ibid.: 31).
Essa mudança de perspectiva é que marca o aparecimento do neologismo inglês folklore . Destaca-se, nesse sentido, a criação na Inglaterra, em 1878, da Folklore Society . Os folcloristas, em oposição aos românticos, tornam-se unânimes em reconhecer que o material deve ser recolhido diretamente do povo. Com a absorção do Positivismo, a “exigência de se estabelecer um procedimento metodológico torna-se imperativa [...]” (Id. ibid.: 41). Aparecendo num momento em que se acreditava na possibilidade de se fundar uma ciência positiva em todos os domínios do saber, os folcloristas se viam como mais um grupo que aplicadamente leva “o esclarecimento científico ao domínio popular” (Id. ibid.: 29-30). É justamente no que diz respeito ao folclore que tentamos situar mais uma ressonância entre Levy e a “geração de 1870” .
LEVY E A “GERAÇÃO DE 1870”
Apesar de não existirem muitas considerações do autor em relação ao assunto, as observações feitas por ele ao compositor João Gomes Júnior, quando da sua estada em Paris, são bastante reveladoras. Em nosso entender, elas indicam o folclore como recurso necessário e suficiente para empreender o conhecimento do que vem a ser a “ música brasileira” . Na ocasião, Levy afirmava que “cada nação tinha a sua música característica e que o Brasil um dia haveria de revelar a sua”. Dizia também que para a composição desta, ”era preciso estudar a música popular de todo o Brasil, sobretudo a do Norte do país” (Rezende 1946: 4), (Azevedo 1956: 158-9), (Behague 1971: 19), (Segala 2003: 89).
Não obstante as observações de Levy indicarem não ter sido ele, propriamente, um folclorista, elas são bastante reveladoras das relações entre música e “ povo” . Primeiramente, as palavras do compositor parecem indicar preocupação com o que foi a pedra de toque da “geração de 1870” , ou seja, a compreensão do significado de ser brasileiro, como apontamos. De outro lado, apesar de não dizer explicitamente, o que Levy parece ter em mente é o folclore; e mais, este aparece no comentário do compositor como uma espécie de solução para a questão da brasilidade.
Seu comentário alude ainda a uma nuance não identificada nos discursos românticos sobre o conceito de povo. Ao indicar que o estudo da música deveria se estender por “todo o Brasil”, Levy alude à necessidade de sistematização para o estudo que pretenda compreender essa música. Perspectiva esta, que como vimos, pertencia à ótica cientificista. Apenas para somar mais um argumento a essa reflexão, acrescentamos a observação, de Mônica Velloso, de que “nessa época, o ideal de observação precisa e laboriosa coleta de dados exercia atração irresistível entre os estudiosos da cultura e da civilização” (Velloso 2003: 355).
Nessa mesma perspectiva, é interessante ver o comentário para a Polyanthéa [12] de Antônio Cardoso de Menezes, ex-acadêmico da Faculdade de Direito. O mesmo autor que, em meados do XIX, como crítico de música, tantas vezes manifestou o tom romântico dos inúmeros intelectuais que reclamavam do “indiferentismo” do público, no ano de 1892, ano da morte de Levy, seu discurso já incorporava alguns elementos da ótica naturalista. Sobre a falta que o compositor paulistano faria para a construção de uma arte brasileira, o cronista afirma que:
Elementos para formar uma escola nossa, é cousa que não nos falta; temol-os em prodigiosa abundancia.
O que nos falta é a vontade determinada de reunil-os em grupo concreto e, a exemplo do que têm praticado os centros artisticos mais adiantados do velho mundo, sujeital-os ao trabalho da systematização, de onde possa emergir o movimento evolutivo e a solução final desse alto e fatal problema sociológico (Menezes. In: Porto-Alegre 1892: s.l. [28]).
O comentário se notabiliza não só pela menção à tarefa de sistematização na coleta dos “elementos” musicais, como também, pela concepção evolutiva de história, perspectivas típicas do pensamento da “geração de 1870” (Ventura 1991: 12, 28). Finalmente, o trecho citado interessa por considerar a questão musical “um problema sociológico”. Não é demais lembrar que “a criação do folclore se realiza sob a égide do pensamento gestado pelas Ciências Sociais do século XIX”, entre as quais destaca-se a Sociologia (Ortiz [s.d.]: 29).
Não obstante o comedimento de Levy em não considerar seus esforços como parte do empreendimento da pesquisa folclórica [13], não podemos esquecer que a composição do Samba pode ser vista como uma contribuição sua à tentativa de atualização da música no Brasil. Isto porque a peça foi escrita a partir de um texto naturalista. O que ela tem de mais “moderno”, a exemplo do que fizeram muitos intelectuais da “nova geração”, foi trazer à luz o elemento negro. Levy tenta levar à cena musical uma dança de negros, fato que nada tem a ver com o “ indigenismo” romântico. Nesse ponto, Levy segue caminho próprio em relação ao amigo de família e orientador musical, Carlos Gomes (1836-1896), de O guarany .
O SAMBA
Tudo leva a crer que a atitude de Levy ao aproximar-se de um programa naturalista fosse a de atualizar seu projeto musical. Nesse sentido, cabe destacar que as relações dele com as letras eram significativas. Para Porto-Alegre, Levy “era extraordinariamente apaixonado pela litteratura e sempre dizia que um bom músico deve ler as melhores obras litterarias, deve educar-se na litteratura” (Porto-Alegre 1892: [s.l.] [p. 14]). O biógrafo salienta ainda que o compositor “apreciava os naturalistas” (Id. ibid.: 14).
O fato é que a peça de Levy parece ter mexido com os ânimos de vários intelectuais do século XIX e também do XX, incluindo-se aí Mário de Andrade e outros modernistas. Muito se escreveu sobre ela, entretanto, na sua maioria, esses escritos ficaram, de certo modo, distantes dos aspectos musicais propriamente ditos. Valem, de qualquer forma, por esclarecerem muito das expectativas com a construção de uma música brasileira. Por exemplo, Valentim Magalhães, poeta da “nova geração” (conforme o qualifica o próprio Machado de Assis), em correspondência de 1º de agosto de 1890 ao Estado de São Paulo , assim se manifesta:
Envio os meus parabens ao joven compositor paulista Alexandre Levy pelo seu Samba , tocado em primeira audição ha dias, nos Concertos Populares.
La fui ouvil-o e desejo que o seu auctor fique sabendo que fui eu que puchei pelos pedidos de bis, que fui dos que mais maltrataram as mãos, dando-lhe palmas.
O Samba é uma composição lindissima, reveladora não só de uma larga e poderosa inspiração, como de uma competencia profissional de primeira ordem.
Deliciou-me. O que nella, talvez mais do que tudo, me admirou foi a habilidade delicadissima com que nessa composição fundiu o maestro os dois elementos ethnicos da musica brasileira — o africano e o mestiço, o Jongo e o Fadinho , a toada monódica e banzeira do urucungo e da puita , o resoar constante no acompanhamento, e o saracotear lascivo e travesso do cateretê , no xangarrear das violas, amollentando-se a espaços nas denguices e quebros do lundú. Um primor de expressão, de movimento e de vida, de originalidade na composição geral, (conquanto nella entrassem motivos populares) e na instrumentação, que é de mestre. [...]
O Samba é a representação viva e fiel da caracteristica dança dos pretos do interior de S. Paulo, nas festas que já hoje vão desapparecendo, e que Julio Ribeiro descreveu com mão de mestre, danças que tiveram origem nas congadas ainda em pleno desenvolvimento de ha trinta annos, e cuja rudeza primitiva de instrumentos e cantigas selvagens, ásperos e imponentes, foi se modificando para receber, pela intervenção dos caboclos e dos mulatos, a doçura plangente caracteristica da nossa musica pastoril.
Alexandre Levy instrumentou com grande proficiencia esses rythmos guardados pela tradição, e com motivos populares entremeiou a aspereza dos tambaques e dos adufes. O publico applaudiu phreneticamente a peça, que foi bisada (Magalhães apud Pimenta 1911: 23-5). [grifos do autor]
A análise de Magalhães, de um lado revela um certo otimismo com a “eficiência” de Levy em reproduzir a “característica dança dos pretos do interior de S. Paulo” e, de outro, indica muito da perspectiva da “geração de 1870” e sua preocupação sobre o que é ser brasileiro, neste caso, mais particularmente, em relação à música.
Em análise mais recente, o musicólogo norte-americano Gerard Behague, que estudou os chamados “precursores” do Nacionalismo musical, como Itiberê da Cunha (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892) e Alberto Nepomuceno (1864-1920), aponta algumas limitações à “reprodução” da dança popular empreendida por Levy.
O Samba faz parte da Suíte brasileira , cujas partes são: 1. Prelúdio ; 2. Dança rústica — Canção Triste ; 3. À beira do Regato e 4. Samba . Entretanto, foi estreado, separadamente, no ano de 1890, no Rio de Janeiro, sob a direção do compositor Leopoldo Miguez. Parece que a apresentação alcançou grande sucesso, tendo a peça, segundo Behague, permanecido como “uma das mais aclamadas peças do repertório sinfônico no Brasil” [14] (Behague 1971: 23) [trad. nossa] Não obstante a enorme popularidade com que foi saudada, a obra permaneceu sem ser publicada, assim como tantas outras peças do jovem compositor (Id. ibid.: 23).
Vários indícios levam a crer que a peça tenha sido escrita tendo por programa um trecho do romance naturalista A carne , de Júlio Ribeiro. Behague afirma que na partitura da redução para piano a duas mãos , realizada pelo irmão de Levy, Luís, aparece impresso um trecho do romance, no qual, presumivelmente, o escritor naturalista descreveria um “ samba rural” . A bem da verdade, não é possível assegurar que o romance esteja realmente descrevendo este gênero musical, apesar de que, aparece representado, na passagem escolhida por Levy, a descrição de um elemento característico da maioria das danças afro-brasileiras: a umbigada (Behague 1971: 24). Aliás, para Behague não é possível nem mesmo assegurar que o próprio Levy tenha observado uma manifestação desse gênero, descrita com detalhes por Mário de Andrade em O samba rural paulista (Andrade 1991 [1ª ed. 1941]: 112-85).
Além disso, é importante lembrar que, publicado primeiramente em 1888, o romance de Júlio Ribeiro imediatamente tornou-se objeto de inúmeras polêmicas, fato que pode ser facilmente identificado no período. Nesse sentido, poderíamos lembrar os diversos embates que contaram com a participação de muitos intelectuais, entre os quais, destacava-se Sílvio Romero (Ventura 1991: 71-161). Resultado do escândalo que suscitou, a obra de Júlio Ribeiro se tornou muito popular no país. A propósito, a passagem utilizada por Levy, segundo Behague, e que aparece também citada na biografia de Gelásio Pimenta, é a seguinte:
Ao som de instrumentos grosseiros dançavam: eram esses instrumentos dois atabaques e vários adufes.
Acocorados, segurando os atabaques entre as pernas, encarapitados, debruçados neles, dois africanos velhos, mas ainda robustos, faziam-nos ressoar, batendo-lhes nos couros, retesados às mãos ambas, com um ritmo sacudido, nervoso, feroz, infrene.
Negros e negras formados em vasto círculo agitavam-se, palmeavam, compassadamente, rufavam adufes aqui e ali. Um figurante, no meio, saltava, volteava, baixava-se, erguia-se, retorcia os braços, contorcia o pescoço, rebolia os quadris, sapateava em frenesi indescritível, com uma tal prodigalidade de movimentos, com tal desperdício de ação nervosa e muscular, que teria estafado um homem branco em menos de cinco minutos.
E cantava:
Serena pomba, serena:
Não cansa de serená!
O sereno desta pomba
Lumeia que nem meta!
Eh! pomba! Eh!
E a turba repetia em coro:
Eh! pomba! Eh!
A voz do cantor, fresca, modulada, de um timbre sombrio, coberto, tinha uma doçura infinita um canto inexprimível. (Ribeiro 1998 [1ª ed. 1888]: 57)
Mais à frente o escritor faz referência explícita ao termo “ samba” :
Os que não dançavam, que não tomavam parte no samba , grupavam-se, aos magotes, acotovelando-se; olhavam em silêncio enlevados, absortos.
Do solo batido pelo tripudiar de tanta gente erguia-se uma nuvem de pó, avermelhada pelo clarão da fogueira. [...] (Id. ibid.: 58-9) [grifo do autor]
Para Behague, Levy se baseou, musicalmente falando, em duas fontes diversas do “samba rural” propriamente dito, a saber, dois temas tradicionais muito conhecidos nas áreas urbanas: Balaio, meu bem, balaio e Se eu te amei . Esta última, inclusive, muito conhecida em São Paulo, tendo sido harmonizada por José de Almeida Cabral, mestre de capela da Sé Catedral (Behague 1971: 24-5). Behague reitera que “estes temas, obviamente, não correspondem à estrutura melódica do 'samba rural' de São Paulo, o qual, como Mário de Andrade tinha mostrado, apresenta uma divisão rítmica um tanto irregular” (Id. ibid.: 25). [trad. nossa]
Não obstante as limitações da peça de Levy na efetiva “descrição” do samba, Behague nota nela duas contribuições bastante interessantes. Primeiramente, é extraordinário o modo como o compositor consegue se ater, musicalmente, ao programa fornecido pelo trecho selecionado por ele do romance de Júlio Ribeiro. De outra parte, o compositor “permaneceu bastante próximo das danças urbanas que se desenvolviam naquele período como o maxixe e mesmo o choro” (Id. ibid.: 25-7). [15]
Com relação aos aspectos formais do Samba , Behague mostra como estes são determinados pelo material extramusical. Por exemplo, logo no início da peça, sobre um pedal harmônico de mi bemol, tonalidade da música, o compositor vai introduzindo algumas das unidades rítmicas que serão utilizadas ao longo da obra. Para o musicólogo, Levy quer indicar, com esta pequena introdução, o ambiente de preparação anterior ao início da dança, presente no contexto popular.
FIG. 1 — Samba , comp. 1 a 8 [16]
O “samba” só começa mesmo com a melodia do Balaio, meu bem, balaio , apresentada pelos oboés e clarinetas no compasso 9.
FIG. 2 — Samba, comp. 9
O tema é contraposto, nesse ponto, aos ritmos apresentados nos compassos iniciais. Uma seção relativamente curta (compassos 41-8) vai promovendo um crescendo , construído a partir de movimento melódico ascendente baseado no ritmo pontuado do tema, que conduz a um primeiro momento apoteótico, no qual Levy parece imitar, com a música, a participação completa do coro, como no “samba rural” paulista (compassos 48-60) (Id. ibid.: 25).
FIG. 3 — Samba , comp. 41-8
Repentinamente, ocorre uma mudança de atmosfera, à qual, após a participação efusiva da “turba”, segue-se um trecho em dinâmica muito suave (indicação pp subito no compasso 65) representando, muito possivelmente, a intervenção de um solista que canta e dança, enquanto a massa participante permanece em silêncio (Id. ibid.: 25). Neste trecho, particularmente, a figura melódica tocada pela flauta imita a improvisação geralmente usada nos choros, a qual tanto poderia ser realizada por este instrumento quanto pelo cavaquinho (compassos 61-9).
FIG. 4 — Samba, comp. 61-9
O “coro”, então, irrompe respondendo ao solista, “Eh! Pomba! Eh!” em ambientação garantida pela indicação de dinâmica ff e pela instrumentação (compassos 69-70). Nesse trecho, na versão orquestral, entram os instrumentos de metal. Após breve resposta do “coro” volta o “solista” em improvisação como antes (compassos 71-2).
FIG. 5 — Samba , comp. 69-72
Com isto, Levy consegue, na opinião de Behague, estabelecer a imitação característica das práticas responsoriais tanto do “samba rural” quanto da sua versão urbana, o chamado “samba de morro”.
Gerard Behague lembra ainda que o uso que Levy faz das notas repetidas no acompanhamento, em vários momentos da peça, é típico da música popular brasileira, além de antecipar o “fluxo continuo dos acompanhamentos dos tangos de Ernesto Nazareth”.
A entrada do segundo tema popular, Se eu te amei , uma chiba se combina com fórmulas rítmicas intrincadas do maxixe, do tango brasileiro e do samba urbano incipiente (compassos 131-92), (Id. ibid.: 25).
Gradualmente, o tema principal vai retornando, em variados coloridos orquestrais. Após a repetição da primeira seção, o Samba atinge seu clímax, indicando a tentativa de simular o caráter frenético da dança. Num tutti executado em dinâmica fff , os dois elementos temáticos básicos são combinados, e os ritmos tornam-se mais dinâmicos e intrincados
(a partir do compasso 330).
FIG. 6 — Samba , comp. 330-3
Tudo tentando representar uma espécie de transe como aquele provocado pela dança em seus participantes (Id. ibid.: 26). Para Behague:
A análise dessa peça indica, antes de tudo, que as influências populares que lhe dão um caráter inequivocamente nacional vieram do ambiente urbano. Rítmica e melodicamente, ela se aproxima mais do tango brasileiro ou da polca, e do maxixe, do que propriamente do samba popular. [17] (Id. ibid.: 26)
Finalmente, o musicólogo conclui:
Ele [Levy] foi receptivo aos mais característicos elementos de música popular urbana, e era capaz de sentir e de expressar pelo menos em algum grau o espírito essencial dessa música. O fato de que suas composições nacionalistas vieram nos últimos anos de sua vida é digno de nota, pois mostra que o aspecto nacionalista de sua produção não era meramente experimental e transitório. [18] (Id. ibid.: 27)
CONCLUSÕES
Esperamos de algum modo ter tornado um pouco mais nítido os contornos do projeto intelectual de Alexandre Levy no que diz respeito às suas pretensões modernizadoras. Retomando algumas das constatações deste texto poderíamos afirmar que apesar das “limitações” do compositor em uma descrição musical efetiva do samba, parece-nos ser possível contabilizar, nesse ponto, duas contribuições de Levy. Em primeiro lugar, é inegável que, de algum modo, ele consegue atualizar sua música ao se fixar de modo bastante próximo a um “ programa” naturalista. Em segundo, e talvez de modo ainda mais significativo, Levy parece ter sido bem sucedido em ajustar sua música, cuja matriz é européia, às condições locais.
Finalmente, e não sem um certo otimismo, poderíamos constatar que ao incorporar o elemento popular, elemento presente na música urbana, o compositor paulistano não só está compartilhando uma tendência modernizadora da “geração de 1870” , como também, ainda que de modo bastante modesto, está interferindo positivamente, no plano da cultura, no sentido de minimizar o caráter profundamente excludente da realidade brasileira do final do século XIX.
Said Tuma é Bacharel em piano e Mestre em Musicologia pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Em sua pesquisa sobre o compositor paulistano Alexandre Levy, procurou aproximar-se dos temas e reflexões da chamada história da cultura prestigiando com isso uma abordagem interdisciplinar do tema. Desde 2007 participa do grupo de estudos Produção Cultural no Brasil formado por historiadores ligados ao Departamento de História da FFLCH – USP.
NOTAS
[1] Alexandre Levy (1864-1892) nasceu em São Paulo onde passou quase a totalidade de sua vida. O compositor e, posteriormente, crítico musical do Correio Paulistano é filho do clarinetista amador Henrique Luis Levy, imigrante francês, que foi proprietário de uma das mais importantes casas de música de São Paulo. Alexandre escreveu muita música para piano, mas também produziu significativa obra sinfônica. Segundo pudemos constatar, a ida do jovem compositor à Europa, no ano de 1887, para continuar seus estudos musicais, parece representar um ponto de inflexão na sua carreira intelectual. Ao voltar do Velho Continente Levy vai abandonar mais alguns de seus traços românticos em favor de um verdadeiro projeto de modernidade, cuja defesa o intelectual realizou em duas frentes – uma como compositor e outra como crítico musical. Apenas para ilustrar o Levy compositor lembramos da sua aproximação com o popular urbano em inúmeras de suas composições, como o Tango , Paulina Polca e o Samba . Como crítico musical, assinando com o pseudônimo de Figarote , o jovem intelectual vai manifestar inúmeras pretensões modernizadoras acalentadas de modo geral pela elite paulistana. Assim é que vai defender o fomento da música sinfônica numa cidade ainda provinciana que não possuía sequer uma orquestra estável. Insistiu também na importância do estudo sistemático das obras de compositores europeus sobretudo de Wagner que era tido como o que havia de moderno naquele período. Além disso disputou, através de imprensa, mais e mais espaços de difusão para a música de concertos. E, acima de tudo, estimulou, através de suas críticas, os professores a realizarem mais e mais concertos de modo a contribuir decisivamente para a elevação do nível musical e técnico dos paulistanos. Faleceu prematuramente no ano de 1892 sem ter completado vinte oito anos de idade e deixando inúmeros projetos inacabados.
[2] Com o termo historiografia musical brasileira tradicional, doravante HMB, pretendemos nos referir aos seguintes trabalhos, todos de grande visibilidade no âmbito musical e musicológico: História da música brasileira (1926/1942) de Renato Almeida, Storia della musica nel Brasile (1926) de Vincenzo Cernicchiaro, Caminho de música (1930) de Andrade Muricy, História da música brasileira (sem data) de F. Acquarone, Música, doce música (1933) e Pequena história da música (1942) de Mário de Andrade, Música e músicos no Brasil ( 1950) e 150 anos de música no Brasil (1956) de Luiz Heitor Correa de Azevedo, História da música brasileira (1ª ed. 1977/4ª ed. 1997) de Bruno Kiefer, História da música no Brasil (1ª ed. 1981/4ª ed. 1994) de Vasco Mariz. Deve-se notar que não existe uma dimensão cronológica no recorte dessas obras, que, como se vê pelas datas de edição, cobrem um espectro enorme, desde 1926 até a atualidade.
[3] Usamos intencionalmente o termo “missão” com o intuito de nos aproximarmos, de algum modo, do mesmo termo usado por Nicolau Sevcenko em seu livro Literatura como Missão .
[4] Nesse sentido são exemplares as palavras do próprio compositor em duas de suas críticas. Em seu artigo de 13 de junho de 1890 Levy analisa que: “Está mais dos que provado que a educação intellectual nos vem da leitura de obras-modelo, da analyse e da comprehensão, assim como para a musica faz-se mister existirem reuniões onde se as possa ouvir, pois a falta absoluta de theatros entre nós fará com que aquelles que têm certa tendencia para as artes, percam-na em pouco tempo si não se alimentarem por si mesmos, cultivando as boas obras e fazendo reuniões em que se ouça ao menos ao piano, ( o instrumento por excellencia escolhido como o mais perfeito para a photographia das obras symphonicas ) as composições dos grandes mestres, que só os europeus têm a dita de ouvil-os no original, visto possuirem orchestras completas e excellentemente dirigidas.” (Figarote 13 jun. 1890: 2). Em um outro artigo, de 11 de dezembro de 1889, Levy conclui afirmando que: “Estamos convencidos de que estas nossas linhas serão acolhidas com benevolencia por todos aquelles que prezam e amam a arte, e que a querem vêr colocada num alto pedestal, nesta nossa patria.” (Figarote 11 dez. 1889: 2)
[5] Nesse trabalho Wisnik analisa as tensões entre o erudito e o popular no fim do século XIX no Brasil. Com isto o professor de literatura aprofunda o conhecimento das dificuldades enfrentadas pelos promotores da música de concertos no Brasil.
[6] Analisei essa questão no item O nacional e o popular na historiografia musical brasileira de minha dissertação de mestrado. (Tuma 2008: 29-48) Pautando-se por critérios de autenticidade os modernistas viram na música popular urbana uma espécie de locus de exposição indesejada a toda sorte de influências como a música estrangeira e a própria música clássica. Além é claro das preocupações com o que o filósofo W. Benjamin chamou de “perda de aura”, uma vez que a música popular das cidades despontava com muita adaptabilidade ao nascente mercado de produção massificada.
[7] É preciso situar nesse ponto que a despeito dos mais variados nomes que surgem para os inúmeros tipos musicais brasileiros, o momento impõe certos cuidados. Isto porque, naquele período de incipiência da música popular urbana, havia ainda grande indistinção entre estes gêneros musicais.
[8] Faziam parte da “geração de 1870” intelectuais como Sílvio Romero, Tobias Barreto, Clóvis Bevilacqua, Araripe Junior, Artur Orlando, Capistrano de Abreu, Graça Aranha, entre muitos outros (Sevcenko 2003: 97)
[9] Se ele não pode aprofundar-se nos estudos do folclore isto se deu porque estes estudos estavam apenas se iniciando. Para dar unicamente um exemplo, o trabalho de Silvio Romero intitulado Cantos populares do Brasil , pioneiro nesse sentido, só foi publicado no ano de 1888. Na ausência desse material, e das condições para a sua investigação, compositores como Itiberê da Cunha (1846-1913), Alberto Nepomuceno (1864-1920) e o próprio Levy se voltaram para a música popular urbana como fonte alternativa na construção de uma música que lhes garantisse imediato reconhecimento como expressão nacional característica. (Behague 1971: 9-10)
[10] Analisei essa questão no item O folclore e o mito da mestiçagem de minha dissertação de mestrado. (Tuma 2008: 40-4)
[11] Essa questão está desenvolvida no item O folclore e o mito da mestiçagem de minha dissertação de mestrado.
[12] Esta Polyanthéa , dada à luz pela Gazeta Musical do Rio de Janeiro em 17 de fevereiro de 1892, ou seja, um mês após a morte de Levy, foi produzida como fruto do desejo de homenagear o jovem músico morto há pouco. A obra contém pequenos textos, além de um alentado artigo de Porto-Alegre, redator principal da Gazeta . Em pequenos artigos, inúmeras personalidades do meio musical como Leopoldo Miguéz, Carlos Gomes, Arthur Napoleão, Vincenzo Cernicchiaro, Eduardo Borja Reis e Antonio Frederico Cardoso de Menezes destacam a importância de Levy para o meio musical paulistano e nacional.
[13] Conforme esclarece Luiz Heitor, caberia a Luciano Gallet (1893-1931) iniciar “metodicamente” o estudo do folclore musical brasileiro (Azevedo 1956: 159).
[14] No original: “Although it remained unpublished, it was performed with great success in Rio de Janeiro in 1890 under the direction of the composer Leopoldo Miguéz and remained one of the most acclaimed pieces of the symphonic repertoire in Brazil .” (Behague 1971: 23)
[15] Ver nota 9.
[16] Fonte: LEVY, Alexandre. Samba (Suite Brésilienne — IV) . São Paulo: Irmãos Vitale, 1961. Partitura. Redução para Piano. (Todos os demais exemplos serão extraídos dessa mesma obra).
[17] No original: “The analysis of this piece indicates above all that the popular influences which give it an unmistakable national character came from the urban environment. Rhythmically and melodically, it is closer to the Brazilian tango or polka, and to the maxixe, than to the actual folk samba.
[18] No original: “He was receptive to the most characteristic elements of urban popular music, and he was able to feel and to express at least in some degree the essential spirit of this music. The fact that his nationalistic compositions came in the last years of his life is noteworthy, for it shows that the nationalist aspect of his production was not merely tentative and transitory.”
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira . Belo Horizonte: Villa Rica, 1991 [1ª ed. 1941]. (Obras de Mário de Andrade, v. 11)
AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa. 150 Anos de música no Brasil (1800-1950) . Rio de Janeiro : José Olympio, 1956.
BEHAGUE, Gerard. “The beginnings of musical nationalism in Brazil ”. Monographs in musicology , Detroit: Information Coordinators, n.1, p. 4-43, 1971.
GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século XIX. São Paulo: Nankin Editorial; Edusp, 2004.
HARDMAN, Francisco Foot. “Antigos modernistas”. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e história . São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
LEVY, Alexandre. Samba (Suite Brésilienne — IV) . São Paulo: Irmãos Vitale, 1961. Partitura. Piano.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional . 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
______. Românticos e folcloristas: cultura popular. São Paulo: Olho d'Água, s.d.
PIMENTA, Gelásio. Alexandre Levy: Trabalho apresentado ao Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo, em sessão de 20 de Setembro de 1910. São Paulo: Rosenhain, 1911.
PORTO-ALEGRE, Ignácio. Alexandre Levy: compositor e pianista brasileiro. Reimp. São Paulo: Casa Levy, s.d. [ Polyanthéa publicada pela Gazeta Musical do Rio de Janeiro em 17 fev. 1892]
REZENDE, Carlos Penteado de. “Alexandre Levy na Europa em 1887” . O Estado de São Paulo , São Paulo, 17 jan. 1946. n. 21683. p. 4.
RIBEIRO, Júlio. A carne . 4. ed. São Paulo: Ática, 1998 [1ª ed. 1888]. (Série Bom Livro)
SEGALA, Camila Durigan. Alexandre Levy (1864-1892): uma revisão. São Paulo, 2003. 122 f . Dissertação (Mestrado em Música) — Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
TUMA, Said. O nacional e o popular na música de Alexandre Levy: bases de um projeto de modernidade. São Paulo, 2008. 202 f . Dissertação (Mestrado em Musicologia) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
VELLOSO, Mônica Pimenta. “O modernismo e a questão nacional”. In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (org.) O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil republicano, v.1, p. 353-386)
VENTURA, Roberto. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil (1870-1914). São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
WISNIK, José Miguel. “Machado Maxixe: O caso Pestana”. Teresa revista de literatura brasileira , São Paulo: Editora 34, n. 4/5, p. 13-79, 2003.
*said_tuma@yahoo.com.br