Revista eletrônica de musicologia

Volume XII - Março de 2009

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Análise espectromorfológica da obra eletroacústica Desembocaduras [1]

Bryan Holmes

Resumo: Este trabalho visa apresentar concisamente as idéias de Pierre Schaeffer e as principais críticas que levaram à modificação de sua tipo-morfologia, com o objetivo de realizar uma análise atual da música eletroacústica. O norueguês Lasse Thoresen vem desenvolvendo nos últimos anos uma metodologia interessante neste sentido: uma análise espectromorfológica centrada na representação gráfica sistematizada, a qual adotamos para classificar os objetos sonoros numa obra de nossa autoria, ampliando, assim, o reduzido repertório que tem sido abordado sob esta perspectiva.

Palavras-Chave : Análise Gráfica; Música Eletroacústica; Espectromorfologia ; Objeto Sonoro

Introdução

O legado de Pierre Schaeffer é sem dúvida, até agora, uma das mais importantes referências para a música eletroacústica. O Traité des Objets Musicaux , publicado em 1966, e o Solfège de l'Objet Sonore , de 1967, complementam-se oferecendo poderosas ferramentas composicionais e perceptivo-descritivas (analíticas), com uma sólida base filosófica cuja principal influência é a fenomenologia de Edmund Husserl e sua redução fenomenológica ( époché ), na qual se sustentam as noções de escuta reduzida e de objeto sonoro. A escuta reduzida ?que pode ser desenvolvida graças a uma atitude acusmática [2] ? é a intenção de escuta necessária para a existência (ou percepção) do objeto sonoro. Ou melhor, escuta reduzida e objeto sonoro “se definem mutuamente e respectivamente como atividade perceptiva e como objeto de percepção” [3] . O objeto sonoro, por sua vez, é classificado e descrito com ajuda da tipo-morfologia que Schaeffer criou com fins musicais, para analisar os sons que fariam parte de uma nova música, da música experimental, não mais regida pelas leis do solfejo tradicional, esquecendo “as origens e os sentidos” e preocupando-se unicamente “com os próprios sons” [4] .

Seria necessário então contar com novos critérios de classificação aplicáveis a qualquer som, fosse ele de origem instrumental, mecânica, humana, animal, eletrônica, do meio ambiente, etc. Assim, os critérios começam a ser expostos por Schaeffer a partir do plano mais geral possível, até desembocar num quadro classificatório denominado TARSOM. Anterior a este, apresenta-nos um quadro mais simples chamado TARTYP, que diz respeito unicamente à tipologia, ou à “arte de separar os objetos sonoros” [5] , que se inspira na articulação da linguagem falada para exemplificar as interrupções energéticas que acontecem em qualquer discurso sonoro e que classifica de maneira geral os objetos. Já o TARSOM é separado em sete critérios morfológicos, cada um com diferentes possibilidades que definem as características estruturais dos mesmos.

Cria corvos e eles comer-te-ão os olhos

Apesar da incrível vigência da tipo-morfologia e de seus critérios serem “o mais musicais possível” [6] , fortes críticas têm sido feitas à teoria schaefferiana, desde a época dos seus discípulos diretos até os nossos dias, principalmente a respeito de dois assuntos. Um deles é a eventual “castração” que implica uma escuta reduzida como a que aqui se exige, rejeitando a imaginação, as relações socio-culturais com a música, a própria realidade, constituindo-se num exercício anti-natural, como Schaeffer [7] mesmo admite. Já as qualidades extramusicais nas quais ele se baseia para nomear os critérios e sub-critérios morfológicos delatam um possível paradoxo, desde que termos como massa, grão, allure , fino, espesso, rugoso, doce, rígido, frouxo, profundo, etc., podem remeter facilmente a considerações que vão além da escuta em si, com significativas reminiscências culturais. Porém, como Denis Smalley sabiamente observa, todos os sons possuem um duplo potencial, a saber, um abstrato (escuta reduzida) e um concreto (neste caso não se refere à musique concrète e sim aos aspectos que vão além das características morfológicas do som, aos aspectos culturais, à mímese), e o balanço entre estes dois potenciais no contexto da escuta é uma questão tanto de competência quanto de intenção [8] . O balanço entre escuta reduzida e não-reduzida, segundo Thoresen [9] , constitui ainda uma capacidade profissional do músico, e intenções de escuta complementares podem e devem ser desenvolvidas.

O outro alvo das críticas ?que neste caso acreditamos serem mais irrefutáveis? é a distinção entre objetos mais e menos musicais ou, nas palavras de Schaeffer, objetos convenientes, demasiado originais (imprevisíveis) e demasiado redundantes. Como artistas sonoros, não podemos tolerar juízos de valor que nos imponham uma escolha que deveria ser feita pelo próprio criador. Assim, muitos criticaram a falta de dinamismo do objeto sonoro, pois Schaeffer se ocupou apenas dos objetos convenientes, e de uma maneira quase estática, afastando do seu ideal de musicalidade os objetos excêntricos, susceptíveis de possuírem uma mobilidade e potencialidade interna riquíssimas. De fato, o dinamismo fica preso em um dos critérios morfológicos do TARSOM, fazendo referência apenas à dinâmica de intensidade. Observamos ainda que a origem do objeto sonoro foi o sulco fechado ou sillón ferme [10] , hoje conhecido como loop , que não era outra coisa do que um arranhão no disco de vinil que isolava um trecho sonoro. Este fato nos confirma a falta de operacionalidade, de evolução, enfim, nos confirma a estaticidade do objeto schaefferiano [11] .

Espectromorfologia

Dentre as revisões da teoria de Schaeffer, encontramos adaptações da tipo-morfologia que contribuíram significativamente ao desenvolvimento da música eletroacústica nas últimas décadas. Se bem que poderiamos dedicar o presente trabalho à descrição de tais (re)visões, por certo nada simples, preferimos optar em definitivo pela de Lasse Thoresen [12] já que se trata de uma adaptação muito mais prática do que teórica e que, além de tudo, oferece-nos uma característica a mais: a invenção de uma grafia sistemática para analisar espectromorfologicamente os objetos sonoros. A noção de espectromorfologia foi cunhada por Denis Smalley, que a entende como um enfoque dos materiais sonoros e das estruturas musicais que se concentra na interação entre o espectro (freqüências) e a forma como ele se perfila no tempo [13] . No entanto, o espectro não pode ser separado do tempo, desde que “os espectros são percebidos através do tempo, e o tempo é percebido como movimento espectral” [14] . Na verdade, o tempo faz parte do espectro, assim como a amplitude, uma vez que as infinitas freqüências de ondas senoidais que o compõem só podem existir se elas têm tempo para desenvolver seus ciclos [15] e se, ao mesmo tempo, elas têm uma intensidade, independente desta ser baixa, alta ou variável. Um espectro só pode ser obtido concretamente a partir de uma “fatia de tempo” de um sinal dado.

Voltando à proposta de Thoresen, observamos sua intenção de contribuir com uma análise aplicada, pois “por uma série de razões, uma das maiores conquistas do trabalho de Schaeffer, a codificação de todas as categorias sonoras em um diagrama magnífico e unificado, ficou sem muita conseqüência prática” [16] . É assim que o artigo Spectromorphological Analysis of Sound Objects: An Adaptation of Pierre Schaeffer's Typomorphology apresenta um conjunto de ferramentas conceituais e gráficas para análise musical aural com uma morfologia enriquecida, fazendo uso de uma fonte de computador chamada Sonova , criada especialmente para estes fins com assistência de Andreas Hedman [17] . Com o intuito de não reproduzir novamente a pesquisa de Thoresen, o que transformaria este trabalho numa mera paráfrase, revisaremos apenas as mudanças principais na tipo-morfologia de Schaeffer e, posteriormente, a aplicação deste tipo de análise a uma obra de nossa autoria.

Adaptação da tipo-morfologia

Para Thoresen [18] a característica mais importante de sua revisão é a introdução de símbolos gráficos ao invés de letras arbitrariamente escolhidas ou designações verbais para representar a análise, pois os gráficos possibilitam uma representação icônica e multidimensional onde tipologia e morfologia podem integrar-se de forma compacta. Isto faz com que não seja necessário manter as 28 categorias do TARTYP, por exemplo. Uma outra mudança plausível é a eliminação da distinção entre objetos convenientes, objetos demasiado originais e objetos demasiado redundantes, assim como a distinção entre factura e entretien , já que “ facture não é um termo neutro assim como entretien (...). Enquanto todos os sons possuem entretien , só alguns possuem facture ” [19] .

Desta forma, é apresentado um quadro básico da tipologia adaptada e logo um quadro expandido, onde se distinguem os diferentes tipos de organização freqüencial e de articulação da energia. Neste ponto o autor parece confundir-se, uma vez que troca os termos composé e composite ao mencioná-los em francês, contudo não há problemas na prática, pois os gráficos no quadro expandido se correspondem corretamente com os termos em inglês stratified (que representa os objetos compostos) e composite (objetos compósitos). Seguem-se as tipologias de duração e de regularidade (pulso), e alguns casos especiais como trama, ostinato, acidentes, dentre outros casos que tinham sido retirados temporariamente e que agora podem ser representados combinando os símbolos já definidos.

Após explicar os tipos de sons (i.e., a tipologia), Thoresen aprofunda-se nos critérios morfológicos, através de uma abordagem mais detalhada para descrever cada objeto, inspirando-se para isto no TARSOM. O autor faz uma seleção que permita criar uma ferramenta mais manejável para a análise prática [20] e acrescenta alguns sub-critérios que não se encontravam na morfologia original proposta por Schaeffer. Primeiramente, o critério de timbre harmônico desaparece, por estar absolutamente relacionado ao de massa. Este critério (que foi chamado de sound spectrum ) inclui também o perfil de massa ( spectral profile ) como um sub-critério e acrescenta o brilho espectral ( spectral brightness), que não estava na morfologia schaefferiana. O perfil melódico agora é representado pela linha de continuidade dos objetos gráficos. O critério dinâmico passa a chamar-se perfil dinâmico, onde os sub-critérios são os tipos de ataque e os tipos de final (este último acrescentado por Thoresen), deixando as dinâmicas de intensidade (a forma, de acordo com Schaeffer) para serem representadas pelos símbolos de crescendo e decrescendo da notação musical tradicional. O critério de allure (traduzido ao inglês como gait ) [21] introduz, além dos já conhecidos sub-critérios de freqüência e de amplitude, o de ondulação espectral. Finalmente, o critério de granulação é dividido em grande, moderado e pequeno (ao que preferiríamos grosso, médio e fino, devido à sua verticalidade e à pouca neutralidade da palabra “moderado”) e, a respeito da velocidade, em lento, médio e rápido, acrescentando ainda três tipos de notação para os grãos que diferem da freqüência “portadora” mas que estão presentes no espectro. Thoresen encerra esta parte de seu trabalho com algumas convenções adicionais para facilitar a notação das análises.

Sobre Desembocaduras do ponto de vista do compositor

Após uma abreviada apresentação da proposta thoreseniana (que deve ser lida na íntegra para se compreender os gráficos analíticos a serem usados) [22] abordaremos nossa obra eletroacústica Desembocaduras . Nela utilizamos diversas fontes sonoras, destacando o piano preparado, a guitarra elétrica, percussões orientais, bateria eletrônica, utensílios de cozinha, síntese aditiva, síntese substrativa e trutruka, que é um instrumento de sopro originário da etnia Mapuche (zona centro-sul do Chile), instrumento construído basicamente com uma espécie de cana chamada colihue e um chifre de vaca [23] . Dentre os processamentos aos quais os sons foram submetidos contam-se reverb , delay , chorus , vários tipos de filtro, granulação e variação de amplitude, com especial ênfase na organização e espacialização das estruturas, através de processos intuitivos orientados pela retroalimentação compositor/escuta.

De forma bastante geral podemos dizer que os eventos sonoros se desenvolvem brevemente para “desembocar” em outros eventos sonoros, observação que dá o título à obra. A relação destes eventos na primeira metade da obra se estabelece, de certo modo, pela aparição alternada de duas fundamentais não temperadas ?próximas ao Mib e ao Fá? que são percebidas em diferentes contextos espectromorfológicos. Entretanto, em determinados momentos escuta-se também outras notas e mesmo o Mib-Fá soando simultaneamente, o que reflete uma flexibilidade nestas relações. A evolução da música tem início nos sons de origem “instrumental” (percussões e cordas). Posteriormente surgem os sons sintéticos, os quais de certa forma “anulam” o ambiente anterior. Para a investida final, os sons de diferentes origens superpõem-se com a aparição granular da trutruka acompanhada de um “acorde” de ondas senoidais. Nesse momento (alguns segundos antes do minuto 3'), há um ataque que reúne os sons das diferentes fontes sonoras, momento que pode ser considerado como o clímax da obra. O extenso som de trutrukas durante o último terço da obra representa uma plegária ou, talvez, um grito de ressistência do povo Mapuche , que vem defendendo-se há séculos das invasões dos Incas, dos conquistadores espanhois e, ainda hoje, do próprio Estado chileno.

“Um objeto sonoro pode ser uma unidade autônoma em um conjunto sonoro, como também pode ser o próprio conjunto” [24] . Do ponto de vista da análise, este enunciado nos remete de alguma forma a Schenker. Provavelmente conseguiríamos determinar uma Ursatz com um par de objetos enormes (complexos) [25] , porém devemos nos dedicar ao nível estrutural dos objetos mais simples se o que pretendemos é atingir uma aproximação maior no âmbito da percepção e da morfologia interna dos sons. No entanto, e embora algumas partes da obra se encontrem claramente fundidas, distinguimos preliminarmente oito secções para melhor relatar a nossa análise (ver Fig.1 ). Verificamos nesta divisão que a duração nas quatro primeiras partes vai-se reduzindo, enquanto que desde a quinta e até a última secção as durações são cada vez maiores:



Fig.1 Separação das oito secções de Desembocaduras

Na escuta percebemos efetivamente uma aceleração dos eventos que, após o primeiro terço da música, começam a ficar mais estáticos. Este fato pode ser conferido na representação gráfica da Fig.12 com a fonte Sonova . Mas vamos agora justificar a escolha de algumas representações de objetos sonoros particulares que poderiam ter sido grafados diferentemente, procedimento que faz parte importante desta metodologia. Um grau de flexibilidade pode ajudar na hora de se decidir por uma representação ou outra, sempre dependendo do contexto musical em que o objeto se encontra. Lembramos desde já que os tempos indicados são aproximativos e que, no caso dos sonogramas, os objetos foram retirados de seu contexto para uma melhor apreciação visual do espectro.

Espectromorfologia dos objetos sonoros em Desembocaduras

00” - O primeiro objeto ( Fig.2 ) é compósito e marcamos seu ataque inicial como brusco ( brusque onset ). Thoresen propõe a grafia para objetos compósitos com dois ou três objetos simples, acreditamos que isso dependerá da quantidade de sons internos. Neste caso, foi representado com três objetos simples ?um de espectro complexo, um tônico ( pitched ) e um canelado ( dystonic )? que na verdade indicam o espectro misto dos sons que o constituem, os quais têm um timbre metálico pois vêm do piano preparado.




Fig.2

02.5” - Um acorde sem ataque ( Fig.3 ) que vem dal niente apresenta uma ondulação espectral ?como se fosse um efeito de wah-wah ? em pulsos superpostos, para o qual marcamos um pulso oblíquo ( oblique ):




Fig.3

11” - Um novo acorde, construído desta vez por uma fundamental e sons canelados, é produto da ressonância de um outro objeto cujo ataque só será apresentado no segundo 15”. Nesse momento, o objeto “ressonante” mostrará uma ligeira ondulação espectral ( Fig.4 ).



Fig. 4

33” - Dentre os símbolos da fonte Sonova encontramos um que Thoresen não descreve no seu artigo, mas que utilizamos aqui para indicar um accelerando irregular, porém num contexto relativamente lento, gradual, apesar da manifesta irregularidade. Após uma série de objetos simples e compósitos, chegamos num ponto em que a densidade dos acontecimentos não nos permite mais distinguir elementos separados. Representamos isto, então, como uma mudança gradual de objetos compostos para uma acumulação, da seguinte forma ( Fig.5 ):



Fig.5

50” - Aqui aparece um objeto compósito que parece estar unido com o próximo objeto, que é iterativo, no entanto foram separados pelas suas características totalmente diferentes (ver Fig.6 ) : o primeiro é um grupo de sons com uma “fundamental” de massa variável e alguns impulsos, bastante difícil de ser definido pois também poderia ser entendido como um objeto composto ( stratified ) pela fundamental que se prolonga, mas como tudo acontece tão rápido preferimos classificá-lo como um objeto compósito onde existe uma sobreposição passageira. O segundo é iterativo, tanto na sua fundamental como no espectro brilhante do som canelado, brilho que foi especificado já que mais à fente aparecerá este mesmo objeto porém com seu espectro opaco.




Fig.6a




Fig.6b Espectrograma dos objetos representados na Fig.6a

1' - Neste ponto soam alguns pratos orientais, todos com espectro canelado, porém uns mais próximos do ruído e outros mais próximos de "acordes" de freqüências puras (sons inharmônicos). O espectro de um deles “se abre” gradualmente para o registro agudo. Por esta razão desenhamos um acorde de três objetos canelados e mais um isolado ( Fig.7 ).




Fig.7

1'35” - Aparece nosso primeiro som sintetizado ( Fig.8 ), um "acorde" que representamos como trama, pois, como vemos no espectrograma, as oscilações de intensidade são diferentes em cada uma das freqüências:



Fig.8a




Fig.8b Espectrograma do objeto representado na Fig.8a

2' - A ressonância grave do som percussivo, prolongada desde 1'51.6”, transforma-se gradualmente numa senóide de espectro saturado, produto de uma filtragem dinâmica por banda ( Fig.9 ):




Fig.9

2'55” - Apesar de não ser um instrumento de metal, a trutruka possui um espectro muito brilhante, como se fosse um trompete ou uma trompa com efeito cuivré . Destacaremos o brilho espectral e, como estamos ante uma acumulação desses sons, destacaremos também sua pulsação, que é irregular num contexto rápido (ver Fig.10 ). E embora não se tratando de um som sustentado, mas de vários sons acumulados, a duração do objeto é tão longa que o classificamos como tal ( ambient time ).




Fig.10

3'19” - Uma acumulação de sons similares substitui, pouco a pouco, a acumulação anterior. A diferença deste novo objeto é sua pulsação, consideravelmente mais lenta que a do objeto anterior, e a articulação de alguns gestos instrumentais é aqui bastante clara. Contudo, a “randomização” predomina na escuta, pelo que continuaremos privilegiando a agrupação em um só objeto, introduzido por uma nota solta ( Fig.11 ):



Fig.11

Já em 4'11” o objeto representado na Fig.10 volta e se estende quase até o final da obra, que encerra com o acorde sintético projetado desde sua aparição quase imperceptível em 2'44.3”.

Audio da obra completa




Fig.12a Primeira página da análise gráfica de Desembocaduras




Fig.12b Segunda página da análise gráfica de Desembocaduras




Fig.12c Terceira página da análise gráfica de Desembocaduras


Considerações Finais

A análise espectromorfológica proposta por Thoresen satisfaz nossas expectativas uma vez que, dentro da flexibilidade (sugerida inclusive por Schaeffer no Solfège ), é possível construir uma representação gráfica dos objetos sonoros contidos numa obra, estabelecendo relações internas que a percepção imediata não é sempre capaz de “visualizar”. A notação, construída através de um procedimento sistemático, é a própria análise neste sentido e, a partir da observação dos gráficos, são desveladas instâncias que guiam, mediam ou interpretam a percepção e a compreensão da obra, aparentemente sem ser incompatível com outras formas de análise [26] .

As possibilidades de complementação com outras intenções de escuta [27] e com interpretações poéticas, formais, subjetivas ou inclusive arbitrárias da música, mas, especialmente, a praticidade desta proposta, convidam à sua utilização em mais obras eletroacústicas. Temos as análises que Thoresen fez do terceiro movimento de Les Objets Obscurs de Åke Parmerud e de Directions de Rolf Enstrøm. Nós contribuimos, agora, com a de Desembocaduras . Todavia, Thoresen analisou transcrições de cantos de pássaros. Então perguntamos se, inspirados nas abordagens tipo-morfológicas de Schaeffer no final do Solfège , por exemplo, das obras orquestrais de Ivo Malec, não será válido experimentar a utilização da Sonova para analisar também manifestações musicais não-eletroacústicas que apresentem uma estética "concreta", como ocorre com parte importante da produção musical contemporânea escrita?

Notas

[1] Obra eletroacústica sobre suporte composta pelo autor deste artigo em 2008 no seu estúdio particular.

[2] O termo “acusmático” foi tomado do grego akousmatikoi , nome de um grupo de discípulos de Pitágoras cujas regras exigiam, dentre outras coisas ?como por exemplo ser vegetariano?, que o mestre não fosse visto enquanto ministrava seus ensinamentos escondido atrás de uma tela. Esta atitude se associa à concentração no conteúdo do som, em oposição ao visual ou referencial.

[3] CHION, Michel. Guide des Objets Sonores . Paris: Buchet/Chastel, 1983. p. 33.

[4] SCHAEFFER, Pierre. Traité des Objets Musicaux . Paris: Éditions du Seuil, 1966. p. 394.

[5] Ibid., p. 398.

[6] Ibid., p. 398.

[7] Ibid.

[8] SMALLEY, Denis. Spectro-morphology and Structuring Processes. In: EMMERSON, S. (Ed.). The Language of Electroacoustic Music . London: Macmillan Press, 1986. p. 61-93.

[9] THORESEN, Lasse. Spectromorphological Analysis of Sound Objects: An Adaptation of Pierre Schaeffer's Typomorphology. In: Terminology and Translation - Beijing , EMS06 Conference, 2006.

[10] SCHAEFFER, Op. cit.

[11] Para estas e outras críticas ver NATTIEZ, Jean-Jaques (Org.). Cahiers Recherche/Musique , n. 2, INA/GRM, 1976, as quais encontram-se também muito bem resumidas em DI PIETRO, Laura. Música Eletroacústica: Terminologias . Rio de Janeiro, 2000. Dissertação de Mestrado (Música). UNIRIO, PPGM.

[12] THORESEN, Op. cit.

[13] SMALLEY, Op. cit.; SMALLEY, Denis. Spectromorphology: Explaining Sound-Shapes. Organised Sound , Volume 2, Issue 02, august, 1997. p. 107-126.

[14] SMALLEY, 1986, p. 65.

[15] O próprio Schaeffer reparou, no Solfège , que precisamos de um tempo mínimo para perceber alturas.

[16] THORESEN, Op. cit., p. 2.

[17] Agradecemos ao Sr. Thoresen por ter-nos enviado gentilmente esta fonte.

[18] THORESEN, Op. cit.

[19] DACK, 1998 apud THORESEN, Op. cit., p. 3 (grifo do autor).

[20] THORESEN, Op. cit.

[21] Allure pode ser traduzido para o português como “andadura”, mas quando esta andadura (ou maneira de andar) implica num processo de oscilação, a chamaremos de vibração ou ondulação. Para dizê-lo de forma mais simples, Schaeffer referia-se com este termo ao vibrato , ou à ausência dele, na sustentação de um som, fosse no aspecto freqüencial ou na amplitude.

[22] O artigo pode ser baixado gratuitamente da Internet no seguinte endereço: http://www.ems-network.org/IMG/EMS06-LThoresen.pdf

[23] O colihue possui como embocadura um corte oblíquo e, no outro extremo, é fixado o chifre com fibras vegetais ou tripas de animal. O instrumento pode chegar a medir até 4 ou 5 metros e seu som é estridente e brilhante, produzindo as notas da série harmônica do tom em que tiver sido construído.

[24] GARCIA, Denise. Modelos perceptivos na música eletroacústica . São Paulo, 1998. Tese de Doutorado (Comunicação e Semiótica). PUC-SP. p. 30.

[25] Thoresen fala em “objetos complexos” quando quer se referir a objetos de espectro complexo . Aqui faremos a distinção entre objeto complexo (composto ou compósito) e objeto de espectro complexo.

[26] Imaginemos, por exemplo, acrescentar uma representação espacial dos objetos sonoros, com a qual teríamos uma contundente e atualizada ferramenta.

[27] Thoresen fala em “escuta reduzida aberta”.

Referências

CHION, Michel. Guide des Objets Sonores . Paris: Buchet/Chastel, 1983.

DACK, John. Strategies in the Analysis of Karlheinz Stockhausen's Kontakte für elektronischen Klänge, Klavier und Schlagzeug. Journal of New Music Research , Vol. 27, No. 1-2, 1998. p. 84-119.

DI PIETRO, Laura. Música Eletroacústica: Terminologias . Rio de Janeiro, 2000. Dissertação de Mestrado (Música). UNIRIO, PPGM.

GARCIA, Denise. Modelos perceptivos na música eletroacústica . São Paulo, 1998. Tese de Doutorado (Comunicação e Semiótica). PUC-SP.

NATTIEZ, Jean-Jaques (Org.). Cahiers Recherche/Musique , n. 2, INA/GRM, 1976.

SCHAEFFER, Pierre. Traité des Objets Musicaux . Paris: Éditions du Seuil, 1966.

_______________ [1967]. Solfège de L'Objet Sonore . 3a ed. Paris: Éditions du Seuil, 2005.

SMALLEY, Denis. Spectro-morphology and Structuring Processes. In: EMMERSON, S. (Ed.). The Language of Electroacoustic Music . London: Macmillan Press, 1986. p. 61-93.

_______________. Spectromorphology: Explaining Sound-Shapes. Organised Sound , Volume 2, Issue 02, august, 1997. p. 107-126.

THORESEN, Lasse. Spectromorphological Analysis of Sound Objects: An Adaptation of Pierre Schaeffer's Typomorphology. In: Terminology and Translation - Beijing , EMS06 Conference, 2006.

Bryan Holmes é Bacharel em Ciências e Artes Musicais pela Pontificia Universidad Católica de Valparaíso (Chile), onde estudou composição e orquestração com Eduardo Cáceres. Em 2007 ingressou, sob orientação de Vania Dantas Leite, no Mestrado em Música da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, na área de Composição, com bolsa da CAPES e posteriormente da FAPERJ. Suas partituras são publicadas pela editora PERIFERIA Sheet Music, Barcelona, e suas obras têm sido gravadas em diversos CDs, uma delas tendo recebido o primeiro prêmio no Concurso de Composición "Darwin Vargas W". Compôs para formatos solista, de câmara, coral, orquestral, eletroacústica acusmática e mista, além de trabalhar com dança, cinema, rádio, instalações, etc. Suas obras têm sido apresentadas no Chile, Brasil, Argentina, Colômbia, Espanha e França.